SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem passeou pelo Parque Augusta nesse final de semana se deparou com vários homens encapuzados virados de frente para árvores e muros, como se estivessem prestes a ser revistados pela polícia.

Os manequins hiperrealistas de pele negra criados pelo artista plástico Marcel Diogo ainda portavam um guarda-chuva no bolso da calça -objeto comumente confundido por policiais com armas de fogo- para denunciar a violência racista a que pessoas negras são submetidas em abordagens policiais.

A obra “Nem Tudo que Vai para a Parede É Obra de Arte” compõe a 12ª Mostra 3M de Arte, primeira exposição a ocupar o Parque Augusta reunindo trabalhos de sete artistas sob o título “Infiltragem” para provocar sobre a ocupação das cidades e a cultura urbana contemporânea.

A mostra, porém, não devia estar no Parque Augusta. O contrato inicial da organização foi firmado com o Metrô de São Paulo, mas foi cancelado após uma disputa envolvendo a obra de Marcel Diogo.

Com patrocínio e organização da 3M e apoio da Lei Rouanet, a exposição estava prevista para abrir em outubro de 2023, com obras espalhadas pela linha 2-verde. Dois artistas, entre eles Diogo, foram selecionados por edital após a análise de um júri composto por cinco profissionais ligados à arte. A curadora da mostra, Giselle Beiguelman, foi responsável por escolher os outros cinco artistas.

Tudo caminhava bem, diz Beiguelman, até o Metrô receber informações detalhadas das obras pouco antes das montagens iniciarem. A curadora afirma que a administração do Metrô pediu que a obra de Diogo fosse trocada, o que foi recusado por ela e pela Elo3, empresa contratada pela 3M para organizar a mostra.

O Metrô emitiu um relatório afirmando que a obra de Diogo tinha materiais inflamáveis, poderia atrapalhar o fluxo de passageiros e que, por isso, não poderia ser abrigada em suas estações, o que levou ao rompimento da parceria.

“A companhia ressalta sua posição plural e de respeito mútuo, fomentando as mais diversas formas de expressão, por meio da cultura e ações sociais recorrentes em suas estações”, afirma a nota.

Já Beiguelman e a Elo3 afirmam que os pontos do edital haviam sido aprovados durante as visitas técnicas.

Marcel Diogo vem se tornando um nome conhecido pelos trabalhos de denúncia ao racismo e à violência. No ano passado, expôs em duas mostras em Inhotim, “Quilombismo: Quarto Ato” e “Direito à Forma”, onde exibiu alguns quadros com fundo preto em que carros são incendiados. Na exposição “Dos Brasis”, que bateu recorde de artistas negros reunidos, ele exibiu duas enormes pinturas em pelúcia de Conceição Evaristo e Bispo do Rosário.

Para o artista, sua obra foi censurada. “A obra reflete sobre a violência do Estado sobre os corpos de pessoas negras e periféricas, quando a polícia nos manda encostar na parede”, diz.

“Quem teme um corpo rendido no espaço, com as mãos para o alto, numa posição de vulnerabilidade? A obra levanta questões que o Metrô não está disposto a lidar, porque ele é esse lugar de violência institucionalizada”. Diogo se refere a casos de truculência por parte dos seguranças da companhia em relação a passageiros, registradas em vídeos publicados nas redes sociais.

Além da obra de Diogo, os outros trabalhos inéditos criados para a Mostra 3M incluem uma empilhadeira pantográfica pintada de amarelo e vermelho, da artista Mari Nagem, onde os visitantes são convidados a embarcar para apreciar a vista a dez metros do solo, como os pássaros.

O coletivo Saquinho de Lixo, que acumula 2 milhões de seguidores em um perfil dedicado a memes no Instagram, distribuirá cangas com imagens humorísticas no parque. “É um coletivo de criatividade contemporânea, e o meme faz parte disso. Essa é uma mostra do boca a boca com capacidade de dialogar com vários públicos”, diz Beiguelman.

A curadora encontrou certa ironia na classificação do Metrô sobre a obra de Diogo. “Ela é inflamável como? Pode ser no sentido de pegar fogo, mas também uma coisa que desencadeia opiniões, ou traz uma situação à tona.”