Após um hiato de oito anos, o Ministério do Meio Ambiente publicou nesta quarta-feira (08) a atualização da lista oficial de espécies ameaçadas de extinção no Brasil, tanto de fauna quanto de flora. Foram listadas 3.209 espécies ameaçadas da flora brasileira, cerca de 52% a mais que na última lista. Com relação à fauna, a relação traz 1.249 espécies ameaçadas de extinção. Dessas, pouco mais da metade, o equivalente a 668 ou 53,48% do total, representam avaliações recentes, de fato. As demais espécies que constam como ameaçadas reproduzem a avaliação feita na lista anterior, publicada em 2014. Apesar disso, a retirada de algumas espécies previamente consideradas como ameaçadas gerou alerta entre pesquisadores.
O grupo dos peixes continentais, ou seja, de água doce, foi o que teve o maior número de espécies classificadas como ameaçadas: 291. Os invertebrados terrestres, como insetos, aparecem em segundo, com 275 espécies ameaçadas. E as aves, em terceiro, com 257.
Além disso, completam a lista da fauna ameaçada: 102 mamíferos, 97 peixes marinhos, 97 invertebrados aquáticos, 71 répteis e 59 anfíbios.
Uma única espécie, o mutum-do-nordeste (Pauxi mitu) aparece na categoria Extinta da Natureza, quando o animal não é mais encontrado em seu habitat natural, mas sobrevive em cativeiro. A ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), que nos últimos anos também estava restrita aos zoológicos, com a recente iniciativa de reintrodução no sertão baiano, agora aparece como Criticamente Em Perigo de extinção.
Ao todo, o esforço avaliou 8.537 espécies e subespécies entre 2015 e maio de 2021. Dessas, cerca de 5,6%, o equivalente a 482 espécies, foram consideradas com Dados Insuficientes, quando considera-se que não há informação disponível para aferir o risco de extinção de acordo com os critérios estabelecidos.
A relação também enumera nove espécies consideradas extintas, oito delas já estavam na lista desde 2014. Uma nona, um sapo endêmico da Mata Atlântica (Boana cymbalum), conhecido apenas na localidade de Serra de Paranapiacaba, em São Paulo, foi incluída nas extinções.
Em contrapartida, duas espécies de tubarão, o cação-dente-de-agulha (Carcharhinus isodon) e o tubarão-gato-de-boca-estreita (Schroederichthys bivius) que eram consideradas Regionalmente Extintas – ou seja, não existem mais no Brasil, porém tem distribuição em outros países – saíram da lista. A própria portaria comenta a ausência, ao dizer que as espécies “no processo de reavaliação conduzido até 2021, foram reclassificadas em outras categorias que não as colocam na Lista de Ameaçadas do Anexo I ou na Lista de Extintas deste Anexo II”.
A remoção de peixes da lista oficial de espécies ameaçadas de extinção significa que estes animais perdem o status de proteção e de proibição de pesca conferido pela legislação brasileira.
Além dos dois tubarões que constavam como Regionalmente Extintos e agora não aparecem mais na lista, outras sete espécies de peixe marinhos saíram da relação oficial: a raia-manta (Mobula hypostoma), manta-anã (Mobula rochebrunei), peixe-bruxa (Myxine sotoi), raia-viola (Pseudobatos lentiginosus), a raia-elétrica (Tetronarce puelcha), o peixe-cachimbo (Micrognathus erugatus) e o cação-bagre (Squalus acanthias) – estes dois últimos que na avaliação de 2014 foram considerados Criticamente Em Perigo.
Destas, apenas as duas raias da família Mobulidae têm pesca proibida por moratória.
“Tubarão e raias se a gente pudesse deveríamos colocar todos como ameaçados e vulneráveis. Acho que só não conseguimos fazer porque falta, de alguma maneira, informação”, avalia o especialista em peixes, Lucianos Neves dos Santos, do Laboratório de Ictiologia Teórica e Aplicada (LICTA) da UNIRIO.
No balanço do entra e sai da fauna, 219 espécies entraram na relação oficial – sendo que 124 foram avaliadas pela primeira vez – e 144 que estavam listadas em 2014 não aparecem mais. É o caso de 56 espécies de peixes continentais, 18 aves, 16 anfíbios, 15 invertebrados aquáticos, 11 mamíferos, 10 invertebrados terrestres e 9 répteis, além das 9 espécies de peixes marinhos.
Havia ainda uma proposta para incluir seis espécies de tubarão na lista de ameaçados, de acordo com avaliação feita por pesquisadores: entrariam o tubarão-flamengo (Carcharhinus acronotus), o tubarão-galha-preta (Carcharhinus brevipinna), o tubarão-lombo-preto (Carcharhinus falciformis), o tubarão-touro (Carcharhinus leucas), o anequim (Isurus oxyrinchus) e o cação-azul (Prionace glauca). A proposta de inclusão, entretanto, foi contestada por questões técnicas na Comissão Nacional da Biodiversidade (CONABIO) e deverá aguardar análise por um painel de especialistas da comissão dentro do prazo de 90 dias. Caso aprovada a inclusão, será feita uma retificação da portaria para acrescentá-las.
Promessa de atualização anual
O Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (CENAP) do ICMBio fez uma publicação em sua página no Instagram em que comenta a atualização da lista e afirma que “a partir de agora, a Lista passará a ser atualizada anualmente, conforme previsto na Portaria MMA 43/2014, baseada nas espécies que tiverem passado pelo ciclo completo de avaliação no período anterior. Essa mudança de estratégia permitirá que a Lista reflita resultados mais atuais, com menor diferença de tempo entre a avaliação do risco de extinção de uma espécie e sua aplicação nas Políticas Públicas de conservação da biodiversidade”.
A atualização e divulgação anual da lista oficial de espécies ameaçadas pelo Ministério do Meio Ambiente foi estabelecida por portaria em janeiro de 2014. Apesar da determinação, foram quase oito anos de hiato entre a última lista, de dezembro de 2014, e a atualização seguinte, publicada nesta quarta-feira (08), em junho de 2022.
((o))eco entrou em contato com as assessorias de imprensa do Ministério e do ICMBio para esclarecer os motivos oficiais por trás do atraso e entender o que irá mudar na logística por trás da lista para garantir que a atualização conseguirá ser feita anualmente – algo nunca logrado pelo instituto.
A assessoria do ICMBio confirmou a informação de que a lista passará a ser atualizada anualmente e justificou o atraso. “O trabalho é de enorme amplitude, chegaremos no final de 2022 a cerca de 15.000 espécies e subespécies avaliadas. Como a estratégia anterior era de esperar a avaliação completa para atualizar, houve esse represamento. Agora, com atualizações anuais, tudo fica mais simples e haverá um grande ganho pra conservação, pois haverá maior brevidade entre a avaliação realizada e o reflexo nas políticas públicas, por meio da Lista Oficial de Espécies Ameaçadas de Extinção”, esclarece o texto enviado pelo ICMBio.
Sobre a logística para fazer essa atualização anual acontecer, a assessoria afirma que não há grande dificuldade, “pois as avaliações são distribuídas anualmente de forma razoavelmente equilibrada. Será apenas necessário encaminhar os resultados anualmente ao Ministério, o que não representa dificuldade”.
O pesquisador Enrico Bernard, especialista em morcegos, reforça que uma atualização anual é o ideal, conforme recomendação da própria União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN). “E faz sentido, havendo qualquer fato ou informação nova que indique alteração de status, para quê esperar anos para atualizar? No caso de espécies novas, recém-descritas, e onde já há indicação clara de risco, para quê esperar 4, 5, 6 anos? Listas são instrumentos dinâmicos, mas o processo estava muito lento”, opina. “Se vão cumprir mesmo, só o futuro dirá”, complementa.
Na visão pessoal do pesquisador, um dos motivos para o atraso da atualização da lista seria a falta de uma liderança clara por parte do Ministério do Meio Ambiente e do ICMBio para tocar esta agenda.
Ainda de acordo com a publicação do CENAP, 75% das espécies de fauna, o que corresponde a 940 espécies, que constam na lista atual já estão contempladas em Planos de Ação Nacional (PAN) para Conservação vigentes.
“De modo geral, a nova lista de répteis e anfíbios ameaçados publicada pelo MMA reflete o estado de conservação dos biomas brasileiros. Conforme esperado, a maioria das espécies ameaçadas ocorre em biomas extremamente alterados, como a Mata Atlântica, o Cerrado e os Pampas. Em biomas com cobertura vegetal nativa menos fragmentada como a Amazônia, risco de extinção geralmente ocorre pontualmente em regiões sob pressão do agronegócio ou garimpo”, avalia o herpetólogo Rafael De Fraga.
O pesquisador cita o caso do pequeno sapo Anomaloglossus tepequem, endêmico de uma serra de mesmo nome, em Roraima, e que entrou na lista já como Criticamente Em Perigo de Extinção e Provavelmente Extinto. “Quando essa espécie foi descrita em 2015, os autores já chamaram atenção para o fato de que provavelmente estaria caminhando para extinção, por causa de declínios populacionais severos causados pela intensificação do garimpo entre 1985 e 1990”, complementa.
“Em outros casos, risco de extinção reflete distribuição geográfica naturalmente muito restrita. Esse é o caso das jararacas do gênero Bothrops que são endêmicas de ilhas oceânicas no litoral sudeste. Essas espécies devem ser permanentemente mantidas na lista de espécies ameaçadas, uma vez que ocupam territórios muito limitados e ecologicamente sensíveis”, acrescenta o herpetólogo.
Morcegos: mais rigor e menos espécies
“O trabalho começou em novembro de 2018 e foi concluído em março deste ano. E no caso dos morcegos, o processo de revisão foi bem rigoroso, em um nível de exigência sem precedentes para validar as classificações que saíram da oficina com os especialistas”, conta Enrico, que é presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (SBEQ) e foi Coordenador do processo de revisão para morcegos.
O pesquisador explica que a atualização fez com que o número de espécies de morcegos ameaçadas saísse de sete para quatro. “Nenhuma saiu por melhora efetiva”, ressalta.
Em 2014, seis espécies de morcego eram classificadas como Vulnerável à Extinção e uma, o morceguinho-do-cerrado (Lonchophylla dekeyseri) era considerada Em Perigo, um grau mais grave de ameaça. Na lista atualizada, mantiveram-se o morceguinho-do-cerrado, ainda como Em Perigo, e outras duas espécies Furipterus horrens e Natalus macrourus, ambas ainda classificadas como Vulneráveis. Uma quarta espécie, Lonchophylla dekeyseri, que antes era considerada como Quase Ameaçada, agora também é classificada como Vulnerável ao risco de extinção.
Das quatro espécies que saíram da lista de ameaçadas, Enrico explica que duas delas foram rebaixadas para “Dados Insuficientes” (Glyphonycteris behnii e Xeronycteris vieirai), quando considera-se que não há informação disponível para aferir o risco de extinção de acordo com os critérios estabelecidos. Uma terceira, a Eptesicus taddeii, perdeu o status de ameaçada por pesquisas que ampliaram a área de distribuição da espécie, cujas populações estão todas dentro de unidades de conservação. Já a Lonchorhina aurita foi reclassificada como Quase Ameaçada, “por um detalhe técnico”, pontua.
Na oficina de avaliação conduzida pelos pesquisadores, havia sido proposta a manutenção de L. aurita na categoria como Vulnerável. A proposta, entretanto, foi contestada por um dos validadores indicados pelo ICMBio, que apontou que os dados disponíveis acerca do declínio populacional da espécie eram apenas “suspeitados” e que esta condição não permite a categorização como Vulnerável, que exige que o dado seja “observado, estimado, projetado ou inferido”. Comenta Enrico, que faz menção ao rigor do processo.
“Tínhamos dados mostrando uma população projetada para o Brasil inferior a 10 mil indivíduos, associada a cavernas, com ocorrência pouco frequente e nenhuma população ultrapassando 1 mil indivíduos. Ao longo de toda a área de distribuição do táxon são conhecidas ameaças tais como empreendimentos de extração mineral existentes e planejados, controle antirrábico com pasta vampiricida e a fragmentação do habitat de forrageio causada pela supressão da vegetação, oriunda da expansão urbana, mineração e agropecuária. Então indicamos que haveria declínio populacional”, explica Enrico sobre porquê o declínio é uma suspeita e não um fato observado, como pediu o avaliador.
O presidente da SBEQ afirma ainda que seria necessário ter uma rede de monitoramento com censos populacionais contínuos. “Isso é uma urgência. Vamos ter que esta rede se quisermos manter as espécies ameaçadas como realmente ameaçadas. Hoje temos apenas iniciativas individuais e pontuais”, destaca.
Os morcegos não estão atualmente contemplados em nenhum PAN vigente, porém o pesquisador adianta que um Plano de Ação Nacional para espécies de ambientes cavernícolas – o PAN Cavernas – está em fase final de elaboração e irá englobar espécies de morcegos que vivem em cavernas.
A evaporação dos peixes das nuvens ameaçados
Habitantes de áreas úmidas temporárias, como brejos e poças, os rivulídeos ou peixes das nuvens são animais resilientes e muito ameaçados. Por dependerem de habitats temporários, costumam ter uma distribuição restrita, o que os torna extremamente vulneráveis e muitas vezes invisibilizados em levantamentos faunísticos.
Na atualização publicada pelo Ministério do Meio Ambiente, 18 espécies de peixes das nuvens saíram da lista oficial de espécies ameaçadas. Já outras, cuja expectativa era de que entrassem na lista, ficaram adiadas para uma futura atualização.
“A gente avaliou até o final do ano passado os rivulídeos, que fazem parte de uma das famílias de peixes mais ameaçadas, senão a mais ameaçada, do Brasil. Algumas espécies avaliadas nem entraram na lista, mas os técnicos falaram que vai ter uma atualização para incluí-las ano que vem”, conta o pesquisador Fabio Origuela, que faz parte do PAN dos Rivulídeos. Uma das espécies recentemente avaliadas por Fabio é o Leptopanchax sanguineus, que ocorre apenas no estado do Rio de Janeiro, e que foi classificada como Criticamente Em Perigo de Extinção e Provavelmente Extinta, mas que não consta na lista do MMA.
O pesquisador ressalta ainda a remoção de algumas das espécies, como o Austrolebias wolterstorffi e o Mucurilebias leitaoi, que em 2014 foram classificados como Criticamente Em Perigo de extinção e agora foram removidos da lista. “Espécies que na última lista eram dadas como ameaçadas, por critérios dos validadores, elas saíram. Como a Mucurilebias leitaoi, um bicho que não é encontrado desde 1988 e eles tiraram da lista de espécies ameaçadas. Essa espécie é única nesse gênero, só tem ela. E é uma espécie que vive numa área de pressão imobiliária e pressão da silvicultura no sul da Bahia, e os caras dizem que a espécie não está ameaçada”, critica Fabio.
“Com exceção da Austrolebias vazferreirai que foi sinonimizada a outra espécie, as demais não deveriam sair da lista, são todas espécies com distribuição muito restrita, com poucos pontos de ocorrência e sob forte pressão antrópica”, defende o pesquisador Matheus Volcan, que também atua no PAN dos rivulídeos.
A maior preocupação dos especialistas em rivulídeos é que sair da lista, na prática, significa uma invisibilização ainda maior destes peixes de vida e habitat temporários em processos de licenciamento. “O licenciamento ambiental ele não vai considerar essas espécies que não são ameaçadas. São espécies super endêmicas onde o agronegócio, os projetos de infraestrutura e energia, vão avançar sem o cuidado necessário”, alerta Fabio Origuela.
“Ao meu ver o grande problema das avaliações é o uso de forma estrita do método, que é um método para ser usado no mundo inteiro, mas que desconsidera as experiências locais. Nesse sentido, nem tudo vai ficar a contento, então a gente precisa rediscutir o método da IUCN e adaptar à realidade brasileira”, opina Fabio.
Por Duda Menegassi
Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.