As chances de uma pessoa sobreviver ao ser atingida por um raio são de apenas 2%, de acordo com o Ministério da Saúde. O acidente pode causar graves queimaduras e danos ao coração, pulmões, sistema nervoso e outras partes do corpo, deixando várias sequelas quando não leva à morte.
Mas para o médico americano Tony Cicoria, o contato com a descarga elétrica recebida durante uma queda de raio em 1994 terminou diferente. Ele não só sobreviveu sem apresentar problemas, como a sua vida se transformou depois do acidente, ficando apaixonado por música erudita, algo improvável até então.
Tony é um ortopedista que tinha 42 anos de idade e vivia em Oneonta, no estado de Nova York (Estados Unidos), naquele ano. Em entrevista à BBC, ele contou que trabalhava de 12 a 14 horas por dia, sete dias por semana, na época da experiência de quase morte.
Acidentes com raio são bastante perigosos.Fonte: Unsplash
No entanto, sua rotina de atendimento em clínicas e hospitais não foi mais a mesma. Os instrumentos cirúrgicos passaram a dividir espaço com partituras e um piano, sua nova paixão, que surgiu misteriosamente pouco tempo depois do “encontro” com o relâmpago. Ele, que antes não se interessava por música, acabou aprendendo a tocar e a compor.
A “Sonata do raio”
O acidente com o raio que levou Cicoria a adquirir uma afinidade incomum pela música ocorreu durante um piquenique às margens do Lago Sleepy Hollow. Ao usar o telefone público do local, ele foi atingido por um raio e desmaiou, mas uma enfermeira que estava na fila para ligar realizou, imediatamente, os procedimentos de ressuscitação.
Antes de acordar confuso e sentindo uma dor extrema, o ortopedista relata ter visto o próprio corpo no chão. Sem ferimentos graves, ele recusou atendimento médico e se recuperou em casa, voltando ao trabalho duas semanas depois. Foi aí que começou a sentir uma enorme vontade de ouvir música de piano.
Isso o fez comprar um CD com músicas de Chopin e ouvi-lo sem parar. E a situação piorou quando Cicoria sonhou que subia ao palco e tocava uma música desconhecida. Esta canção, que não saía de sua cabeça, o fez ficar fora de controle e totalmente obcecado, chegando a resultar em problemas com a família.
Anos depois, em 2008, o homem atingido por um relâmpago finalmente mostrou ao mundo a música que ouviu pela primeira vez enquanto sonhava. Composta ao longo de sete meses, a canção “Lightning Sonata” (“Sonata do raio”, em tradução livre), disponível no vídeo acima, foi apresentada em um concerto no teatro da Universidade Estadual de Nova York.
O que diz a ciência
O caso de Tony Cicoria chamou a atenção em todo o mundo e passou a ser estudado por muitos cientistas. Uma das pessoas que se interessou pela história foi o neurologista Oliver Sacks, cujas investigações sobre o médico atingido por um raio foram detalhadas no livro Alucinações Musicais (2007).
Tentando explicar o acontecimento, Sacks teorizou, certa vez, que Cicoria tinha “habilidades latentes” que foram ativadas quando ele recebeu a descarga elétrica. A partir do evento, o cérebro do médico reorganizou estas informações, levando-o a adquirir novos conhecimentos até então adormecidos em sua mente.
O caso de Tony Cicoria desafia a ciência.Fonte: BBC/Reprodução
Respeitando as teorias de Sacks e outros pesquisadores, Cicoria tem uma visão diferente e diz que a ciência não pode explicar o acontecido. O agora pianista também compara a obsessão por música surgida após o acidente com a de um viciado em drogas, mas afirma ter conseguido controlar a compulsão por tocar piano.
Depois de lançar um disco em 2008, atualmente ele mescla os trabalhos na medicina e na música, além de contar a sua incrível história em entrevistas e palestras.