O novo pacto pela alfabetização, colocado como prioridade pelo governo Lula (PT), vai apostar na atuação dos estados na relação com municípios, em instâncias colaborativas de governança e no protagonismo de avaliações, segundo o plano obtido pela Folha. A atuação de universidades ficou de fora de projeto.
Além de alterações na distribuição de recursos com base em resultados da alfabetização, o MEC (Ministério da Educação) planeja investir R$ 800 milhões ainda neste ano. O valor é menor do que os R$ 2 bilhões do pacto de alfabetização lançado em 2012 pelo governo Dilma Rousseff (PT), esvaziado a partir do governo Michel Temer (MDB).
Outra coisa diferente é que a participação das universidades, que tinha papel central no pacto anterior, vai depender da escolha de cada município ou estado. Isso tem provocado críticas.
As previstas formações de professores e elaborações de materiais didáticos serão descentralizadas, levando em conta apenas diretrizes do MEC. A pasta deve credenciar materiais e formações elegíveis para o projeto.
Lançar um novo pacto de alfabetização era uma das promessas para os 100 primeiros dias do governo, o que não ocorreu. Batizado de Compromisso Criança Alfabetizada, as linhas gerais do estudo estão sendo discutidas com representantes de secretarias de Educação e especialistas. O lançamento deve ocorrer em breve.
Para a professora Elaine Constant, da Faculdade de Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o primeiro contato com o plano do MEC inspira preocupação pela falta de conceitos pedagógico e de alfabetização que nortearão o programa. Ela diz estranhar o fato de as universidades, que acumulam conhecimento e experiência, não terem sido contempladas no desenho inicial do projeto, seja na concepção ou para a formação docente.
“Quando se abre mão da universidade, há um risco de passar a mensagem de que não precisa de conhecimento para alfabetizar, de que vale qualquer coisa, qualquer material”, diz. “Há uma estrutura técnica, mas o pedagógico fica a cargo de quem?”, questiona.
O foco do Compromisso são as crianças do 1º e 2º anos do ensino fundamental, cerca de 4 milhões de estudantes. Na avaliação federal de 2021, os resultados do 2º ano foram os piores de toda a educação básica; prova internacional aplicada no mesmo ano mostra o Brasil entre os últimos colocados entre 65 países e regiões participantes.
Mas o programa prevê ainda ações de recuperação de aprendizagem para os cerca de 10,5 milhões de alunos entre o 3º e o 5º ano. Uma tentativa de combater os prejuízos causados pela pandemia.
O Compromisso é inspirado no modelo do Ceará, estado que criou em 2007 o PAIC (Pacto de Alfabetização na Idade Certa) e hoje tem os melhores resultados do país. O ministro Camilo Santana foi governador do Ceará, e a secretária-executiva da pasta, Izolda Cela, tocou a pasta da Educação.
Um dos principais aspectos do PAIC foi a atuação da secretaria estadual de Educação em colaboração com municípios, que concentram as matrículas da etapa -formação de professores e materiais didáticos, por exemplo, foram centralizados no governo do estado. O programa do MEC investe em uma arquitetura de gestão parecida.
O MEC fará a coordenação nacional, e haverá a criação de coordenadorias estaduais e regionais (de gestão e pedagógica), além de responsáveis por cada cidade.
A implementação vai depender de adesão de estados e municípios e, segundo relatos do alto escalão do MEC, o governo aposta em uma forte mobilização. Mas pode haver dificuldades nesse sentido, uma vez que ao menos 15 estados têm projetos de alfabetização para atuar com os municípios. A ideia é que o Compromisso possa rodar de forma híbrida com iniciativas em curso.
Questionado, o MEC não respondeu a questionamentos sobre o novo programa.
O sociólogo Cesar Callegari era secretário de Educação Básica do MEC quando o pacto de alfabetização de 2012 foi lançado. Ele diz ser preocupante jogar todas fichas nas secretarias estaduais e municipais, uma vez que muitas “têm negligenciado as políticas de alfabetização, como mostram os dados”.
“No ano que vem tem eleições municipais, e milhares de secretários serão mudados. Há um nível muito alto de instabilidade e heterogeneidade”, diz.
Para Callegari, as universidades têm o potencial de ser uma defesa para uma política de longo prazo.
“As instituições universitárias, além de serem mais estáveis, são repositórios do conhecimento mais seguro de alfabetização, de concepções que são mais que treinamento de leitura e escrita, mas, sim, de uma formação para ler e entender o que está lendo”. Ele diz temer que municípios escolham “soluções de prateleira” em termos de materiais e formações.
No pacto anterior, 41 universidades públicas participavam do programa com formulação de material e formações. Houve registros de instituições com problemas nessa atuação, e outras com maior sucesso.
Como incentivo financeiro, o MEC planeja alterações no Fundeb (principal mecanismo de financiamento da educação básica) para que desempenho e equidade na alfabetização sejam critérios para repasse de recursos. Também há planos de estimular estados a colocarem o tema como um dos critérios de distribuição do ICMS para os municípios -o novo Fundeb exigiu que os estados criassem leis nas quais os resultados educacionais fossem levados em conta no rateio desse imposto.
O MEC prevê a criação de prêmio destinado a secretarias de educação e estímulo para estados criarem premiações de boas práticas em gestão escolar e de parcerias entre escolas.
Como a Folha mostrou em janeiro, o MEC planeja avaliação anual de alfabetização. Também há planos para uma avaliação de fluência leitora. Na mesma linha, os estados deverão criar provas formativas trimestrais.
Ainda integram o plano ações como obras em escolas e compra de livros para serem colocados nas salas de aula. São os chamados Cantinho de Leituras, que existiam no pacto de 2012 e que devem consumir parte dos recursos previstos para o Compromisso.