“Pessoal, desculpa atrapalhar a viagem de vocês…”. Quem viaja pelo metrô de São Paulo já está acostumado a ouvir essa frase. Chocolate, água, carregador, fone de ouvido e até carteirinha para guardar comprovante de vacina são alguns dos produtos possíveis de se encontrar no “shopping metrô”. Com o desemprego, o número de trabalhadores sem carteira assinada aumentou no Brasil. E mesmo proibido, o comércio ambulante nos trens e metrôs da capital paulista atraiu muita gente.
O iG encontrou Maicon Douglas, de 25 anos, vendendo máscaras descartáveis em uma estação do metrô. Ele disse trabalhar 12 horas por dia, de segunda a segunda: “folgo quando vou dormir, e férias só quando eu morrer”. Sem nunca ter tido um emprego formal, Maicon viu no comércio ambulante uma chance para mudar de vida: “Perdi minha mãe e meu pai cedo. Nunca tive oportunidades, só no crime. Graças a Deus, eu conheci o metrô. É uma coisa que me faz sorrir, e eu posso mostrar meu talento como vendedor”, contou.
Questionado sobre quanto fatura diariamente com as vendas, o ambulante disse apenas que “ganha bem”, sem dar detalhes sobre valores. “Não troco isso por nada”, garantiu.
Gabriel Lima, 23 anos, já foi mais direto. Afirmou que recebe entre R$ 150 e R$ 200 em um “dia bom” e entre R$ 100 e R$ 120 em um “dia ruim”. “Eu vendo de tudo: chocolate, fone, carregador. Todo tipo de mercadoria que aparece. Eu gosto de vender, de conversar com as pessoas, de ver o mundo, de conhecer novos lugares…”, apontou. “Nunca tive emprego registrado, mas sempre corri atrás do progresso. Eu não tinha nada, morava na favela. Conheci o metrô, e hoje em dia ganho bem, não preciso ficar pedindo nada para os outros”.
Ele, que também trabalha todos os dias, disse que só trocaria o emprego atual por um com carteira assinada caso ganhasse mais. “Se o emprego desse um dinheiro melhor do que eu ganho hoje, eu trocaria. Mas se for trocar para um que não ganha nada e o patrão fica enchendo o saco, eu não trocaria não”.
Essa liberdade de trabalhar quando e onde quiser cativa quem escolhe o comércio ambulante nos trens e metrôs de São Paulo como “ganha pão”. Paulo Vitor, 22, não trocaria essa regalia “nem de brincadeira”. “Dá dinheiro, não devo nada a ninguém, não tenho que dar satisfação, eu sou meu próprio patrão…”, assegura. Vagando pelas estações de segunda a sábado, “da hora que Deus lhe permite acordar” até quando “bate a vontade de ir embora”, ele disse vender “tudo o que está barato”: descascador de legumes, eletrônicos, doces etc.
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O número de trabalhadores informais no Brasil chegou a 38 milhões de pessoas no terceiro trimestre de 2021. É o que revelam dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada em novembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O resultado representa 40,6% da população ocupada no período.
Mas a venda de produtos em vagões e estações é proibida. Em nota, o Metrô de São Paulo solicitou aos passageiros que “colaborem, não comprando produtos que podem ser de procedência duvidosa, colocando em risco a saúde de todos”. “Todo vendedor ambulante identificado é informado que perderá o direito à viagem e que terá sua mercadoria apreendida e enviada para a Subprefeitura mais próxima”.
No ano passado, a média de apreensão mensal cresceu com a intensificação das ações para coibir o comércio irregular no Metrô. Ao todo, 28,1 mil produtos foram apreendidos por mês, ante 19,2 mil em 2020 e 20,4 mil em 2019. A equipe de segurança também realiza campanhas de conscientização nos painéis dos veículos e das estações e recebe denúncias pelo celular.
A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) tem, desde 2019, uma parceria com o Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) para promover capacitação aos vendedores ambulantes que atuam nas dependências dos trens e das estações.
“Nos Trilhos do Empreendedorismo permite que o novo microempreendedor adquira conhecimento, legalize seu comércio, obtenha mais lucratividade, efetive sua inclusão na economia formal e dignifique sua condição como cidadão”, diz a companhia paulista em seu site oficial.
No curso, com duração de quatro horas, o trabalhador aprende o passo a passo para se tornar um Microeemprendedor Individual (MEI). Em seguida, com o certificado de participação, ele se torna apto a se inscrever e concorrer a uma área comercial da CPTM.
A iniciativa é vista pela operadora de trens como uma “solução” para as vendas irregulares.
Passageiros contaram à reportagem o que pensam sobre o comércio ambulante nos trens e metrôs de São Paulo. “Para mim, eles estão trabalhando normal. Acho que não atrapalha em nada”, avaliou uma mulher. “Eu tenho uma opinião muito controversa. Acredito que é importante porque é o trabalho de muita gente, mas às vezes acaba atrapalhando”, opinou outra.