Em audiência pública na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (24), o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal, Luciano Soares, afirmou que é preciso humanizar o atendimento às vítimas no processo criminal, com estruturas que garantam a privacidade dessas pessoas durante o depoimento. O evento foi promovido pelo grupo de trabalho que discute o Projeto de Lei 3890/20, que institui o Estatuto da Vítima.
Para a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Maria Luiza Bullentini, as vítimas precisam ser acolhidas e, para isso, é preciso que os profissionais envolvidos nesse atendimento sejam, além de capacitados, também sensibilizados, independentemente da estrutura disponível.
“Nós sabemos do tempo exíguo e das dificuldades enfrentadas pelos profissionais de segurança pública, das áreas de saúde, mas pequenos detalhes não precisam de tanto investimento financeiro, mas de acolhimento”, apontou.
Segundo ela, algumas questões são simples. “Perguntou? Ouça a resposta! O que mais acontece é, na hora que a pessoa está respondendo, já estão olhando para outra pessoa ou para outra questão. Ou seja: falta escuta ativa. Uma questão simples: olhar nos olhos da vítima, adequar a sua linguagem a ela.”
Revitimização
Em relação às dificuldades sofridas pelas vítimas para conseguirem ter seus direitos respeitados, a gestora do Projeto Avarc e responsável pelo acolhimento a vítimas no Ministério Público de São Paulo, Celeste dos Santos, afirmou que é preciso que a vítima seja amparada desde a denúncia e que todas as tecnologias sejam empregadas para que não haja a revitimização dessas pessoas.
Um exemplo do uso da tecnologia em favor das vítimas é o sistema criado em São Paulo para a realização on-line de denúncia de violência doméstica. Segundo a jornalista Isabela Leite, a delegacia on-line criada em 2020 possibilitou o acesso de vítimas à Justiça mesmo durante a pandemia. Ela afirmou que, no primeiro ano da pandemia, 15% dos boletins de ocorrência de violência contra a mulher foram registrados pela delegacia on-line.
“Houve queda nos boletins de ocorrência, como já era esperado, por uma subnotificação que não era novidade, de acordo com as autoridades policiais com quem eu conversei. Mas a possibilidade de ter um recurso on-line, uma ferramenta a mais para que a vítima pudesse pedir ajuda e denunciar, colaborou para que a subnotificação não fosse tão grande”, afirmou.
Para Sônia de Fátima Moura, mãe de Eliza Samudio, assassinada em 2010 a mando de Bruno Fernandes de Souza – à época, goleiro do Flamengo –, o Estatuto da Vítima vai ser fundamental para que o caminho em busca de justiça seja mais fácil para pessoas que já estão sofrendo com a perda provocada por outros.
“Com certeza teria me ajudado nessa longa caminhada de sofrimento e dor, sem amparo psicológico e jurídico. Porque eu sabia que, apesar da dor me dilacerando, eu me sentia perdida igual cego em tiroteio, atacada e humilhada muitas vezes nas redes sociais, onde minha filha havia sido retratada como uma pessoa que não foi”, desabafou.
Legislação eficiente
O autor da proposta, deputado Rui Falcão (PT-SP), afirmou que as sugestões apresentadas durante as audiências públicas realizadas pelo grupo de trabalho vão ajudar a compor uma legislação eficiente de apoio às vítimas.
“Com audiências públicas com dezenas de pessoas, depoimentos tocantes das vítimas e de especialistas, acho que este projeto vai ser aperfeiçoado. Eu tenho certeza de que nós vamos aprovar este projeto, levá-lo ao Senado e ter o Estatuto da Vítima virando realidade no nosso país”, declarou.
O grupo de trabalho que analisa o Estatuto da Vítima volta a se reunir no dia 9 de março para a última audiência antes da apresentação e apreciação do relatório final.
Reportagem – Karla Alessandra
Edição – Ana Chalub