A Câmara dos Deputados da Espanha aprovou, nesta quinta-feira (22), uma lei que permite que qualquer pessoa acima de 16 anos mude seu nome e sua identidade de gênero sem qualquer burocracia na DNI, o RG espanhol. Basta solicitar a mudança no momento de fazer o documento.
Apelidado de “lei trans”, o projeto pela igualdade real e efetiva de pessoas transexuais e pela garantia dos direitos dos LGTBQIA+ teve 188 votos a favor e 150 contra, além de sete abstenções. Logo seguirá para aprovação do Senado, onde a aprovação também é esperada –mas pode passar por revisões antes disso.
A autodeterminação de gênero já é realidade devido a leis regionais em 15 das 17 comunidades autônomas do país. Há anos, os maiores de 16 têm direito a apresentar-se com o nome e gênero que desejarem na burocracia administrativa, por exemplo, nos títulos universitários e escolares ou nos seus centros de saúde e hospitais.
Após a aprovação no Senado, no entanto, o direito vai se estender às comunidades de Astúrias e de Castela y Leon, além das duas cidades autônomas espanholas encravadas no litoral de Marrocos, na África, Ceuta e Melilla.
O projeto avança ainda para que, adolescentes de 14 e 15 anos possam mudar nome e identidade de gênero, desde que com o consentimento dos pais ou representantes legais. E para que os de 12 e 13 anos também o possam fazer se obtiverem aval judicial.
Para tornar essa mudança no registro legal, a lei despatologiza oficialmente a transexualidade, que deixou de ser considerada um transtorno pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018. A partir de agora, exigências médicas, como terapia hormonal ou laudo psicológico, deixam de ser obrigatórias.
Outros detalhes estabelecem que não há trâmites especiais caso a pessoa queira voltar ao nome e identidade de gênero anteriores. Uma segunda alteração, no entanto, demandará autorização judicial.
O projeto aprovado também proíbe a promoção ou prática de métodos, programas ou terapias de conversão, sejam psicológicos, físicos ou por meio de drogas, que tenham por objetivo modificar a orientação sexual, a identidade sexual ou a expressão de gênero das pessoas, independentemente do consentimento que eles ou seus representantes legais possam ter dado. A tentativa passa a ser considerada gravíssima e pode render multas até EUR 150 mil (R$ 824 mil).
Além disso, foi alterado um artigo do Código Civil para que o recém-nascido de um casal formado por duas mulheres ou por uma mulher e um homem trans possa ser registrado como filho de ambos. Até então, o homem trans, ou a mulher que não estava grávida no casal homoafetivo, precisavam entrar com pedido de adoção.
A aprovação na Câmara de Deputados nesta quinta não foi tranquila. Houve meses de debate, lutas internas no partido do presidente Pedro Sanchéz, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), e conflitos no movimento feminista.
Uma das sete abstenções foi a da deputada Carmen Calvo, do próprio PSOE. Ex-vice-presidente, ela é a presidente da Comissão da Igualdade onde o projeto de lei estava tramitando. Após a votação desta quinta, afirmou que quer uma lei, “mas não esta”, e que “assume as consequências” da sua abstenção.
Para Irene Montero, ministra da Igualdade, “a forma mais contundente de lidar com os reacionários é continuar avançando na democracia”. “Hoje, esta Câmara diz que os direitos trans são direitos humanos”, afirmou ela, horas antes da votação.
O objetivo da nova legislação é garantir e promover “a igualdade real e efetiva de lésbicas, gays, trans, bissexuais e intersexuais, bem como suas famílias”, com “medidas específicas voltadas para a prevenção, correção e eliminação, nas esferas pública e privada, de todas as formas de discriminação; bem como promover a participação das pessoas LGTBQIA+ em todos os âmbitos da vida social e a superação de estereótipos que afetam negativamente a percepção social dessas pessoas”.