A proposta original do Ministério da Economia para o decreto que autorizou ministros e outras autoridades a utilizarem classe executiva em viagens internacionais de mais de sete horas era mais ampla. A pasta havia proposto que a medida valesse para todos os servidores, e não apenas para os do mais alto escalão. A restrição só foi imposta quando o decreto chegou na Casa Civil.
Pela redação final do decreto, editado pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro, ganham direito ao benefício ministros de Estado e ocupantes dos principais cargos de confiança, como secretário-executivo e secretários especiais, além de servidores que estiverem substituindo ou representando essas autoridades.
A minuta da Economia não estabelecia esse requisito, de acordo com documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.
Em 2018, o então presidente Michel Temer editou um decreto estabelecendo que “a passagem aérea destinada ao servidor e aos respectivos dependentes será adquirida pelo órgão competente sempre na classe econômica”. Quem quisesse uma passagem melhor deveria pagar a diferença.
O novo decreto, editado por Bolsonaro em janeiro, não altera o texto anterior, mas acrescenta um novo parágrafo, determinado que “a passagem aérea poderá ser emitida na classe executiva quando a duração do voo internacional for superior a sete horas”. Depois, são citadas as autoridades com direito ao benefício.
Proposta apresentada em novembro
A proposta de alteração foi apresentada pela Economia em novembro. Uma nota técnica afirmava que o objetivo do decreto era “mitigar o risco de restrições físicas e de impactos em saúde” dos servidores, que poderiam ter suas “capacidades laborativas afetadas” devido a um “déficit de ergonomia” e ao “espaço reduzido para movimentação”.
Em uma tramitação inicial dentro do ministério, ocorrida entre novembro e início de janeiro, foi feita apenas uma mudança na redação do texto. A versão original citava que as passagens poderiam ser compradas “na classe de voo imediatamente superior à econômica”.
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A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), sugeriu a referência específica para a “classe executiva”, com o objetivo de “evitar interpretações dúbias (já que podem haver vários tipos de tipologias de passagem, conforme a companhia aérea)”. A sugestão foi aceita.
Em janeiro, contudo, quando o texto foi enviado à Casa Civil, foi discutida a redução de autoridades que teriam direito à medida. “Após tratativas entre a SAG (Subchefia de Análise Governamental) e o Ministério da Economia, houve afunilamento do escopo da norma, para atender o deslocamento de servidores específicos”, diz uma nota técnica elaborada pela Casa Civil.
Governo não realizou estimativa de gastos
Durante a tramitação da proposta, o governo federal não realizou uma estimativa de quanto custaria a permissão. Quando a proposta foi sugerida, no trecho da nota técnica que tratava sobre o “impacto orçamentário e financeiro”, o Ministério da Economia argumentou que “a proposta, na acepção estrita, não acarreta por si impacto orçamentário e financeiro, pois depende da ocorrência de caso em concreto nos órgãos e entidades, bem como de sua respectiva disponibilidade orçamentária”.
Procurado na segunda-feira, para comentar a falta de uma estimativa, a Economia afirmou que os “gestores dos órgãos e entidades federais terão de analisar cada viagem e decidir pela viabilidade ou não da emissão na classe executiva, pois não houve aumento do limite para gastos com essa despesa” e que “a nota técnica segue essa linha”.
A pasta acrescentou que uma “recente análise” mostrou que a quantidade de passagens emitidas em 2021 nas condições abrangidas pelo decreto “representa 6,6% em termos de quantidade e menos de 1,5% em termos de valor”. Foram 442 bilhetes nessa condição, com o gasto de R$ 450 mil. Além disso, a Economia disse que o gasto com passagens tem diminuído, passando de R$ 98,22 milhões em 2018 para R$ 29,25 milhões em 2021.
O ministério foi procurado novamente na quarta-feira-feira, para responder sobre o teor da proposta original, e respondeu que “reitera que não houve aumento do limite para gastos com passagens aéreas” e reforçou que “os gastos com a emissão de bilhetes foram reduzidos nos últimos dois anos”.