SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – No dia 8 de janeiro de 2023, os extremistas de direita que acamparam em frente ao Exército e invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília, para depredarem o patrimônio público numa tentativa de iniciar um golpe de Estado, destruíram diversas obras de arte.

Entre elas estava um busto do jurista, jornalista, político e diplomata baiano Ruy Barbosa (1849-1923). A obra foi mantida danificada no Supremo Tribunal Federal como um símbolo de resistência.

“Meu país conhece meu credo político porque o meu credo político está na minha vida inteira. Creio na liberdade onipotente, criadora das nações robustas”, dizia Ruy Barbosa. “Creio na lei, na emancipação dela. Rejeito as doutrinas de arbítrio, abomino as ditaduras de todos os gêneros, militares ou científicas, coroadas ou populares”.

A fala está narrada no documentário “A Voz de Ruy”, que será lançado no dia 4 de março, numa sessão para convidados no Cine Glauber Rocha, em Salvador, resgatando a história e a atualidade do pensamento de Ruy Barbosa.

“Nós já tínhamos rodado algumas coisas quando aconteceu o atentado, foi uma infeliz coincidência”, diz Belisário França, diretor do documentário.

“A Voz de Ruy” faz uma ponte com os episódios de 8 de janeiro de 2023, mas a ideia de realizar o documentário é anterior, quando foi pensado tendo em vista o centenário do falecimento de Ruy Barbosa, no ano passado.

“Muito do que ele produziu intelectualmente conversa com os dias de hoje. Ruy sempre foi preocupado com a democracia, com as instituições, com a visão de um Brasil mais inclusivo”, ressalta o diretor.

No documentário, os discursos de Ruy Barbosa são encenados pelo ator Ricardo Bittencourt. Com argumento do historiador Nelson Cadena, especialista em Ruy Barbosa, o material reúne depoimentos de nomes como o ex-ministro do STF, Ayres Britto, o cientista político Christian Lynch e o ex-prefeito de Salvador, Edvaldo Brito.

Dois municípios —um na Bahia e outro no Rio Grande do Norte— e mais de 400 logradouros espalhados pelo Brasil levam o nome de Ruy Barbosa. Ele foi muito satirizado em seu tempo, por sua fala prolixa e feérica, sendo até hoje conhecido por divertidas e falsas anedotas a seu respeito.

“Ele chamava a atenção fisicamente. Um homem magro, baixinho, um grande intelectual. Ele tem um jeito que é um achado para um caricaturista”, brinca França.

O documentário “A Voz de Ruy” foi encomendado pela ABI (Associação Bahiana de Imprensa), que desde 1949 é dona da casa onde o jurista nasceu, na rua que agora leva seu nome, em Salvador, onde passou a funcionar o Museu Casa de Ruy Barbosa no mesmo ano —que marcava o centenário de seu nascimento e os 400 anos da capital baiana.

“Se não for o primeiro, foi um dos primeiros casos de imóvel de valor histórico reconstruído a partir das informações disponíveis”, diz o presidente da ABI, Ernesto Marques, que também é um dos entrevistados do documentário.

Em 1998, o imóvel foi cedido pela ABI para a Faculdade Ruy Barbosa, mas a entidade conseguiu a reintegração de posse em 2022. Com o imóvel de volta, a ABI encomendou um projeto museográfico ao designer e arquiteto Gringo Cardia, visando modernizar o lugar e reabri-lo com o nome de Casa da Palavra Ruy Barbosa.

Orçado em cerca de R$ 7 milhões, o projeto de Cardia prevê a reformulação do espaço com uma linguagem tecnológica e imersiva, que inclui a animação do acervo para uso interativo e duas salas de gravação de podcasts exclusivas para os visitantes.

“O projeto busca ter estudantes como público prioritário e foi pensado para manter o museu vivo o tempo inteiro, através de uma série de atividades. Por isso insistimos que é necessário revitalizar a rua Ruy Barbosa”, diz o presidente da ABI, que ainda busca a captação de verba para as obras.

Foi Ruy Barbosa quem impetrou o primeiro habeas corpus para um jornalista brasileiro, em 1914, instrumento introduzido na Constituição de 1891 por ele mesmo.

“A grande contribuição dele foi na construção da nossa República. E gosto muito da maneira corajosa como ele foi para Haia e atrasou em pelo menos 50 anos o que viria a ser o Conselho de Segurança da ONU”, diz Belisário França sobre a “águia de Haia”.

É como Ruy ficou conhecido após participar da conferência na cidade holandesa, em 1907, confrontando as grandes potências.

“Oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância”, disse o baiano.

A VOZ DE RUY

Quando Pré-estreia nesta seg. (4), às 19h

Onde Cine Glauber Rocha – pça. Castro Alves, 5, Salvador

Produção Brasil, 2024

Direção Fernanda Miranda e Pedro Sprejer