Sérgio Augusto - Advogado especialista em direito Penal, Processo Penal e Eleitoral.

A deflagração pela Polícia Federal da Operação Tempus Veritatis atingiu os principais aliados do ex-presidente, muitos dos quais são militares de alta patente das Forças Armadas e que agora viraram alvos de investigações sobre a putativa “tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito”, que  tinha como intuito garantir a manutenção do poder, o que originaria inúmeros questionamentos quanto ao papel desses militares, não apenas no suposto episódio, mas também em suas atuações nas esferas políticas-partidárias.

A identidade nacional da sociedade brasileira, a qual desconhece a sua história, não foi naturalmente erigida visando à civilização para uma consequente democracia, mas sim visando levar a democracia para uma consequente civilização, razão pela qual o cidadão se descobriu patriota/conservador somente após a eleição de um candidato militar, que na campanha pregava ser defensor de Deus, pátria e família – hilário é que o tal candidato só frequenta a igreja no período eleitoral e está sem seu quarto casamento!

Com isto, emergiu no governo a nomeação e eleição de militares a cargos eletivos por serem vistos pela sociedade como pessoas honradas e de valores e se intitularem a nata intelectual da pobre sociedade. Porém, não há qualquer tipo de concepção de caráter conservador hoje no Brasil. O que existe no nosso país é apenas uma identificação partidária, incluindo, neste rol, principalmente os militares e suas linhas positivistas.

Desde a Monarquia, o Brasil nunca possuiu embasamento técnico, filosófico e intelectual produzido nacionalmente que mostrasse ao seu povo as verdadeiras necessidades para a construção de uma nação forte. É por isso que, até hoje, o país resolve seus problemas com quaisquer soluções conforme surgirem. Justamente foi neste período que arrefeceu a força conservadora no país, a qual sempre foi marcada pelas reformas da ética e da moral.

Apesar disso, o avanço dos militares sobre o trono, em que se pese não ter sido um golpe de sorte ou uma tomada de poder repentina, como os livros de história tentam demonstrar, pois os duros traumas empregados na Independência, na Abolição e no Segundo Reinado, levaram a este destino, no qual, por fim, o Brasil assistiu aos militares entregarem ao povo brasileiro tudo aquilo que nunca quiseram: a República, trocando um pai (Rei) por um padrasto (Marechal Deodoro) e mais, desprovida do elemento vital – a legitimidade.

A queda da Monarquia não se deu por um ato, mas sim por uma construção política de entrega do poder aos brasileiros desligados de Portugal. Surgiu um novo tempo no país, popularizando a palavra “esperança”, afinal essa é a promessa dos progressistas que lutaram pelo fim da Monarquia.

Os militares, já naquela época, derrubam a Monarquia para instaurar a República, objetivando tirar do poder a Família Real. Colocaram no lugar eles mesmos, iluminados guerreiros pacifistas, assim como o fizeram em 1930, 1964 e 2018. Com o decorrer dos anos, além da República, operou-se a substituição da elite nobre para ver-se chegar ao poder a outra elite: a política – esta sem qualidade cultural, apenas econômica.

A partir do momento em que Marechal Deodoro assume, o nosso país passa a ter no poder não um herdeiro ou um presidente eleito, pois ele tomou o trono pela força, tornando-se um deslegitimado e imediatamente sofrendo as consequências de seus atos. Da mesma forma, hoje os militares aliados do ex-presidente, ao cogitarem o “golpe”, já que nem tentativa chegou a existir, sentem suas sequelas, pois a história revela que ao governante a legitimidade é obrigatória e sem ela a unidade nacional se vai.

A história se repete nos dias atuais em sua integralidade: os militares assumem ou tentam assumir o poder, para no fim, por inabilidade política ou incompetência, devolver o poder ao governo representativo da elite política. A posição a ser ocupada pelo militar é na caserna, não na política, posto que a dignidade da carreira militar é incompatível com as negociatas e fisiologismo dos que atuam na política.

A origem do lema “Ordem e Progresso”, estampado na “nova” bandeira quando houve a instauração da República, é também desconhecida pela maioria da sociedade. Tema para outro artigo, não é mais um lema real: a “Ordem” há muito se foi quando as fardas militares deixaram de impor respeito ao civil. Restou apenas o “Progresso”, e este não como realidade que fundamentava a implementação da mudança, mas sim como álibi para uma ação desprovida de valores morais e principalmente religiosos.

Dessa maneira, fica claro ser o Estado a única organização na qual os piores podem chegar ao topo da cadeia, seja por meio do voto ou do “golpe”. E, portanto, o atual modelo de gestão é falido por natureza, pois não investe de poder e autoridade os melhores, visto que tal investidura decorre do voto, uma escolha puramente quantitativa e, neste aspecto, em um eleitorado de baixa qualidade, nunca haverá bons governantes, mas representantes de seus maiores interesses obscuros.

Nossos políticos não são ruins, são apenas iguais a seus eleitores e representam seu eleitorado. Portanto, como a arte imita a vida, finalizo com uma frase de Lord Maximus Farquaad, personagem antagonista do filme Shrek, que foi a máxima durante todo o governo do ex-presidente: “O Xandão vai prender alguns de vocês, mas é um sacrifício que estou disposto a fazer”.