Há um ano, Ana Cláudia Soares cogitava fechar seu restaurante sexagenário na região Central de Manaus, um dos pontos mais tradicionais na capital amazonense. Na época, o estado era centro de uma crise pandêmica sem precedentes no Brasil, com falta de oxigênio em hospitais e milhares de pessoas morrendo de Covid-19 à espera de leito de UTI.
O Bar do Armando, um dos restaurantes mais famosos de Manaus e palco de eventos históricos, como a fuga de funcionários públicos da Polícia Militar durante a Greve de Fome, em 1983, vive atualmente sob ameaça de nova crise devido à variante Ômicron.
“Durante todo o ano [2021], ficamos entre abrir e fechar o restaurante por oito meses. Foram meses muito complicados, com redução de mesas, clientes ou até lockdown, com o espaço totalmente fechado. As despesas continuavam e ficamos sem um tostão durante meses”, relata Ana Cláudia.
“Tivemos uma recuperação boa após julho, mas em janeiro [de 2022] a situação começou a piorar por causa da [variante] Ômicron. Em toda a nossa história, o mês de janeiro só não foi pior que o ano passado”.
Em janeiro de 2021, o iG ouviu as histórias dela e de outros dois empresários que, na época, relataram cenário de guerra na região manauara. A falta de oxigênio afetou o comércio, que fechava mais cedo para evitar a proliferação do vírus em horários de pico, além de obrigar restaurantes a trabalharem em sistema delivery.
“Foram meses bem intensos. Acho que os únicos que sentiram menos a crise que passamos foram farmácias e supermercados”, afirma.
Questionada sobre a variante Ômicron e a queda do movimento, Ana Cláudia assume: “É muito preocupante. No meu setor, há um forte medo de queda ainda maior de público. As pessoas se resguardam por causa da proliferação do vírus e, naturalmente, já temos uma queda de público em janeiro devido às chuvas aqui no estado”, completa.
Esperança em meio a incertezas
Dona de hotéis e agência de viagem em Manaus, Cláudia Mendonça lembra da recuperação que teve no segundo semestre do ano passado. O avanço da vacinação contra a Covid-19 no país colocou o turismo de volta nas pautas das famílias e aumentou a procura por vagas em seus estabelecimentos.
“Tivemos que reconstruir e repensar todos os nossos negócios. Para quem mexe com setor de turismo, imagina o quanto foi impactado? Basicamente ficamos parados o ano todo. Ainda bem que passamos pela pior fase, mas a Ômicron travou temporariamente nossa retomada do equilíbrio”.
A expectativa era de manter o crescimento neste começo de ano, época de férias escolares e quando a demanda de pacotes de viagens para o estado cresce. Os planos, no entanto, foram adiados com a chegada da variante Ômicron ao Brasil.
“Desde setembro, estávamos com nossos negócios apresentando boas altas e basicamente tudo normalizado. Tivemos um final de ano bacana, mas agora em janeiro sentimos uma desacelerada devido à nova onda. Tenho muita fé que isso tudo vai passar. Eu acredito que fevereiro a gente já consegue normalizar tudo aqui por Manaus e seguir o nosso caminho”, afirma Cláudia.
Lições para vida pessoal e profissional
O empresário Mario Valle ficou decepcionado quando admitiu a possibilidade de ter que demitir funcionários na entrevista que deu há um ano ao iG. Na época, ele resolveu concentrar seus investimentos em delivery, decisão que trouxe frutos após a crise.
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“A crise do oxigênio foi uma situação sem precedentes aqui. Uma verdadeira roleta russa. A qualquer momento poderia acontecer com um de nós. O processo após o pico teve uma reabertura muito lenta e muito estressante. Cada dia parecia uma semana por conta da avalanche de informações, tanto pela TV quanto pelos grupos de WhatsApp. Os restaurantes começaram com horário de funcionamento até às 18h, depois 20h e a gente só começou a respirar economicamente um pouco melhor a partir de outubro, quando o horário foi para até às 22h. Foi realmente um ano marcado pelo medo e antes dessa variante do ano passado, parecia que tudo já tinha passado. Foi um golpe muito forte mesmo”, conta Valle.
“Trabalho com restaurantes há 10 anos e essa foi de longe a pior crise que já passamos, porque não podíamos vender como sempre vendemos. A reinvenção para o delivery nos deixou a lição de que sempre precisamos ter um ativo, porque ninguém pode garantir que isso não volte a acontecer. Inauguramos semana passada uma unidade apenas para delivery para deixar funcionando em paralelo e conquistar uma fatia de mercado que nos permita sobreviver. O modelo nunca se pagou, mas ajudou a gente a pelo menos movimentar dinheiro e não deixar os restaurantes fecharem”.
Ele ressalta que a maior lição de vida que teve em meio à crise é nunca se dedicar a um único tipo de investimento.
“O ensinamento é antigo: nunca coloque todos os ovos numa só cesta. Isso nos dias de hoje é: nunca deixe a sua empresa apenas com um canal de venda. O digital que era antes um acessório, hoje é dominante. Aumentamos nossa equipe de marketing para conseguir atuar no máximo de canais possível e estar presente em todos os canais de venda”, afirma.
O futuro será melhor
Ana Cláudia acredita que os casos da variante Ômicron devem cair nos próximos meses e prevê aumento nos lucros em relação ao ano passado. Embora as expectativas sejam positivas, ela alerta para a necessidade de se criar uma reserva financeira para se adiantar às crises.
“O que eu levo dessa crise como lição é a necessidade de sempre obter uma reserva financeira. Sempre pensar muito na hora de investir, fazer grandes investimento em estoque. Eu perdi muito estoque, tive que jogar fora muito produto vencido. Perdi demais e não ganhei nada”.
Mario Valle também acredita que 2022 será um ano de crescimento. Entretanto, a possibilidade de novos reajustes em insumos devido ao cenário inflacionário do país preocupa o setor empresarial.
“Esse ano, se não houver mais nenhuma variante, esperamos continuar crescendo. Nossa preocupação é em relação aos preços dos insumos, que ainda não têm indicativo de queda, sendo preciso repassar aos consumidores. Um caminho que encontramos para deixar o custo fora do foco do cliente é agregar experiencia ao consumo e tem dado certo”.
‘A esperança é meu oxigênio’
Enquanto uns aguardam por crescimento, outros querem mais tempo para se dedicar à família. É o caso da Cláudia, que pretende reduzir o ritmo de trabalho para aumentar a dedicação aos seus parentes.
Embora queira reduzir o tempo dedicado ao trabalho, ela não pretende deixar seus hotéis de lado. Ela conta que deve investir mais em seus negócios, mas quer colocar mais pitadas de amor e esperança para manter o crescimento.
“Minha vida mudou bastante após essa crise toda. Passei a agir com muito mais amor aos meus negócios, agir mais consciente e, na minha visão de empreendedora, passei a ter muita esperança. Quero poder fazer o máximo para acertar e fazer algo de interessante para a comunidade, clientes e pessoas que nos procuram”, ressalta.
“Tenho muitos planos para o hotel e para a agência. Quero expandir meus negócios. Mas, ao mesmo tempo, quero dedicar um tempo maior para a minha família. Essa crise me abriu os olhos para a necessidade de manter meus parentes cada vez mais próximos”.