A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirmou nesta segunda-feira (4) que o modelo de negócios das maquininhas independentes de pagamento é artificial e baseado no endividamento da população.
A entidade diz defender a busca por um reequilíbrio no setor, com redesenho do rotativo e também das compras parceladas.
A Abranet (Associação Brasileira de Internet), que representa parte das empresas de maquininhas, afirma que os bancos “querem acabar com a mais barata linha de crédito na praça”.
As declarações são dadas em meio à queda de braço entre a Febraban e as maquininhas independentes (não vinculadas aos bancos) em torno da discussão sobre o rotativo do cartão de crédito e o parcelado sem juros.
O rotativo é acionado automaticamente quando o cliente não paga a fatura integral, deixando o restante para o mês seguinte.
Esse é o tipo de empréstimo mais caro do país, com taxas acima de 400% ao ano, e pode acabar sendo alvo de uma limitação legal de juros após discussões entre governo, Congresso e empresas.
Em meio ao debate sobre o rotativo, os bancos vêm pressionando uma modificação nas regras das compras parceladas sem juros -modalidade usada pelas empresas de maquininhas e que, afirmam os bancos, contribui para os altos juros cobrados no rotativo devido ao grau de inadimplência.
No parcelado sem juros, o consumidor faz a compra e as maquininhas costumam antecipar os valores ao lojista com um desconto sobre o total a receber por eles.
Pesquisa Datafolha publicada na terça-feira passada (29) mostrou que oito em cada dez (81%) comerciantes paulistanos são contrários ao fim da venda parcelada sem juros no cartão de crédito. Uma fatia de 15% é favorável à proposta, 3% são indiferentes e 1% não opinou.
Segundo os entrevistados, responsáveis por estabelecimentos de pequeno porte da cidade de São Paulo, o fim das vendas parceladas sem juros no cartão de crédito traria mais prejuízos do que benefícios à economia brasileira, aos consumidores e às lojas.
De acordo com a Abranet, compras parceladas sem juros são a modalidade responsável por 50% de todo o volume transacionado em cartões, R$ 1 trilhão em 2022, equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto), muitas vezes, a única opção de consumo para grande parte da população.
“Reforçamos que as taxas de antecipação dos associados Abranet são similares à media divulgada pelo Banco Central, de apenas 1,4% ao mês, 19% ao ano, 23 vezes menor do que os 445% da taxa do rotativo”, diz a entidade.
“As maquininhas independentes são o único elo favorecido dessa cadeia, pois se apropriam das receitas de juros, não correm qualquer risco de crédito, não alocam capital e induzem endividamentos que se eternizam”, afirma Isaac Sidney, presidente da Febraban, em texto divulgado pela entidade nesta segunda.
“As maquininhas independentes tornaram parcela relevante do varejo dependente da antecipação de recebíveis. É um modelo totalmente artificial que estimula compras pelas famílias com prazo longo de financiamento, para sufocar os lojistas com taxas altíssimas de descontos”, afirma Sidney.
Segundo a Febraban, as taxas de juros cobradas pelas maquininhas chegam a 130% ao ano e, no caso do pequeno varejo, o desconto nos recebíveis repassados aos lojistas é três vezes superior à média dos bancos.
“A demonstração de que algumas maquininhas independentes não defendem os consumidores, mas o próprio modelo de negócio, é que, sem a receita de antecipação de recebíveis, teriam tido prejuízo de R$ 1 bilhão em 2022”, diz Sidney.
Segundo ele, os dados revelam que “a antecipação de recebíveis das maquininhas independentes possui maior concentração no total das receitas de pagamento, chegando até 65%, bem mais que os 50% das adquirentes ligadas aos bancos”.
A Febraban diz que o setor bancário se manterá firme em três linhas de atuação. A primeira delas é o que chamam de diluição do risco entre os elos da cadeia, “hoje concentrado nos bancos emissores que suportam todo o peso da alta inadimplência”.
A segunda linha é a “manutenção do cartão de crédito como relevante instrumento para o consumo”, e a terceira, o “reequilíbrio da grande distorção que só o Brasil tem, com 75% das compras feitas com parcelado sem juros”.
A Abranet afirma que a competição no mercado reduziu em 80% a margem de crédito de antecipação do parcelado sem juros, de 1,61% ao mês em 2011 para 0,31% ao mês em 2023.
“É por causa dessa competição que querem prejudicar as empresas de maquininha e mudar a regra do jogo em pleno jogo a favor do banco emissor. Para tanto querem o fim do parcelado sem juros e querem criar o parcelado com juros ou o parcelado tarifado”, afirma a entidade, em nota.
A Abranet afirma que, em uma “inversão absurda e falaciosa”, querem atribuir ao parcelado sem juros a responsabilidade pelos juros do rotativo quando do consumidor não se cobra juros e do lado do vendedor o juro anual praticado é de apenas 19% ao ano (valor referente às antecipações das parcelas sem juros).
“Não é proibido que o vendedor dê desconto para receber à vista. Na prática, o que os grandes bancos querem é acabar com a mais barata linha de crédito na praça -19% ao ano- oferecida pelas empresas de maquininha”, diz a Abranet.
“Prejudicar o parcelado sem juros, além de não ajudar a reduzir os juros do rotativo, vai piorar o problema. Trocaremos linhas de juros de 19% ao ano por outras infinitamente mais caras”, afirma a entidade.
Para a Abranet, alternativas como portabilidade de dívida entre diferentes bancos, adoção de birôs positivos e o open banking (compartilhamento de dados de clientes entre instituições, com aval do indivíduo) favoreceriam a competição sem extinção do crédito disponível hoje.
Representantes de Abipag (Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos) e Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), que também representam empresas de maquininhas, foram procurados. Mas não enviaram posicionamento até a publicação deste texto.
Os posicionamentos são divulgados em meio às expectativas de votação nesta semana de um projeto de lei na Câmara dos Deputados que pode limitar os juros no rotativo. O texto não trata do parcelado sem juros.
Relatório do deputado Alencar Santana (PT-SP) sobre o projeto de lei do Desenrola estipulou um prazo de 90 dias para que as instituições financeiras definam um patamar de juros para o rotativo, limite que precisaria ser homologado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).
Se o processo por autorregulação não funcionar, será aplicável um teto que limita a dívida ao dobro do montante original.