TIRADENTES, MG (FOLHAPRESS) – Havia uma razoável expectativa na Mostra de Cinema de Tiradentes em relação a “Seu Cavalcanti”, segundo longa-metragem dirigido por Leonardo Lacca.

Além de assinar o premiado “Permanência”, lançado em 2015, o pernambucano foi diretor-assistente de “Bacurau” (2019), de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e preparador de elenco de “Aquarius” (2016), também de Mendonça Filho.

Nesta sexta (26), penúltimo dia do festival, a produção foi, enfim, exibida na Cine-Tenda, o principal espaço do evento. A julgar pelos risos durante a sessão e pelos aplausos no final, a espera valeu a pena.

Ao longo de quase 15 anos, o diretor filmou seu avô, que dá nome à produção, nas mais diferentes situações. No começo do processo, início dos anos 2000, Lacca nem sabia o que fazer com esses registros, mas continuou a retratar seu Cavalcanti porque, entre outras razões, seu avô parecia sempre à vontade diante da câmera.

Em 2008, o cineasta foi convidado para preparar as vinhetas da primeira edição do festival Janela de Cinema do Recife e decidiu fazê-las com imagens do avô. Deu certo e daí nasceu a ideia de preparar um filme sobre seu Cavalcanti.

Era só o começo. Foram cerca de 50 horas de filmagens, com as mais diversas câmeras: MiniDV, VHS, digitais de alta definição, até celular e iPad. A produção tem “uma promiscuidade de texturas de imagem”, Lacca brinca. “Não importava qual era a câmera; importava, sim, ter uma câmera para filmar.”

O tempo corria, e as filmagens davam novos contornos à relação entre avô e neto. “Acho que só se descobre se uma pessoa é carismática e fotogênica quando você realmente bota a câmera nela. Então, a câmera me ensinou muito sobre o meu avô.”

Com 90 e poucos anos, seu Cavalcanti impressiona pela vivacidade. Dirige mal, mas nem por isso deixa de dar suas voltas pelas ruas de Recife. Embora não seja obrigado, vai às urnas para votar e cumprimenta as mesárias.

À primeira vista, parece se tratar de um documentário, mas há momentos em que seu Cavalcanti é um personagem interpretando a sua própria vida ou uma história imaginada. As fronteiras entre o real e a ficção são difusas, e os dois, avô e neto, parecem se divertir nesse jogo de esconde-esconde.

Mais do que qualquer classificação, importa a força do protagonista, assentada sobretudo no humor. “Sempre quis fazer uma comédia. Além disso, muitas vezes a imagem [filmada] revela coisas que a gente não tinha visto. Eu não filmei meu avô inicialmente porque achava ele engraçado. Mas, depois, percebi esses sinais e comecei a estimulá-lo nesse sentido.”

Kleber Mendonça Filho, um dos produtores, estava presente na sessão em Tiradentes. Conta que, embora ambos vivessem em Recife, ele e Lacca se conheceram em 2005 em um festival em São Paulo, onde apresentavam seus curtas. Tornaram-se amigos e, desde então, têm trabalhado juntos com frequência.

Mendonça Filho identifica pontos de contato entre “Seu Cavalcanti” e “Retratos Fantasmas”, seu filme lançado no ano passado. “Os dois usam fragmentos da vida, que são reenquadrados e remontados”, diz.

Minutos depois de ver o filme pela primeira vez na tela do cinema, comentou: “Não acho que a vida pode ser filmada, mas é possível fazer uma versão filmada da vida”.

O jornalista viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes