BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou nesta quarta-feira (17) que a pasta não precisa de orçamento equivalente a 2% do PIB (Produto Interno Bruto), como prevê uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) gestada pela Marinha e apresentada pelo senador oposicionista Carlos Portinho (PL-RJ).

Segundo Múcio, o importante para a área de defesa é ter alguma previsibilidade orçamentária, para as Forças Armadas honrarem contratos e definirem qual será seu tamanho.

“Nós não precisamos de 2% como os países da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). A Colômbia, um país pequeno, tem 3,6% do PIB. Nossos vizinhos estão com um orçamento maior que o Brasil. Mas diante das nossas prioridades, nós não estamos investindo em uma defesa, que é a guardiã do nosso território, nossa soberania”, afirmou o ministro durante audiência na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.

“Nós temos alguns projetos que gostaríamos de discutir aqui, porque não temos uma bancada para discutir. Uma coisa é a previsibilidade.”

José Múcio disse que tem conversado com o presidente Lula (PT) para buscar alguma forma de recuperar parte do orçamento da Defesa, que sofreu uma queda de 47% nas despesas discricionárias nos últimos dez anos.

O orçamento para investimento e custeio do Ministério da Defesa é de R$ 10,9 bilhões neste ano.

“Eu tenho dito ao presidente da República e ele tem prometido recompensar isso, para que a gente tenha um gap mais elevado, para que a gente possa recuperar alguma coisa, que a gente possa amiudar as entregas das nossas encomendas, para que nós possamos ter uma defesa compatível com a grandeza do nosso país”, completou o ministro.

Como a Folha mostrou, o senador Carlos Portinho, líder do principal partido de oposição ao governo Lula, apresentou uma PEC para garantir que o orçamento de defesa do Brasil seja igual ou superior a 2% do PIB.

A proposta estava em discussão no Ministério da Defesa, capitaneada pela Marinha —Força que mais tem sido afetada pela queda no orçamento de investimento na última década.

Como a indexação do orçamento de defesa não tinha apoio no governo Lula, oficiais das Forças articularam a apresentação da PEC com o senador oposicionista.

Nos bastidores, o ministro da Defesa faz desde o fim de 2023 sinalizações de que aceitaria baixar o percentual da PEC para negociar apoio institucional do governo.

Por mais que Lula tenha sinalizado a Múcio apoio à proposta, o governo não tem articulado em favor da PEC. Há somente apoios isolados de parlamentares governistas, como o ex-ministro da Defesa e senador Jaques Wagner (PT-BA).

Principal apoiador da PEC dos 2%, o comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, afirmou aos parlamentares nesta quarta-feira que a redução dos investimentos na Força tem causado queda no número de embarcações.

Segundo Olsen, nos últimos 20 anos, caiu pela metade (de 16 para 8) o número de navios-escolta que a Marinha possui. Tanques de guerra e veículos do tipo anfíbio sofreram redução de sete para três no mesmo período.

A Marinha ainda prevê, para 2024, ter menos combustível e munição que o necessário. A Força calcula precisar de 52 milhões de litros de combustível, mas só tem verba para comprar 45 milhões.

Para munição, a Marinha tem alocado R$ 25 milhões. O valor necessário para atender a todas as demandas da Força seria de R$ 113,3 milhões. “Nós já fomos o segundo país com construção naval pelo mundo, mas o que se observa desde 2014 é uma queda”, disse Olsen.

Levantamento realizado pela Folha de S.Paulo mostrou que as Forças Armadas brasileiras, apesar das críticas à falta de orçamento, mantêm um perfil gastador com pessoal e têm se distanciado da sua meta de modernização orçamentária, que usa a Otan como modelo.

Em 2023, os gastos das Forças com pessoal chegaram a 85%, percentual impulsionado por gastos com militares da ativa, inativos e pensionistas.

Os gastos com pessoal pressionam o resto dos orçamentos da Marinha, Exército e Aeronáutica. Em 2023, as Forças Armadas brasileiras destinaram somente 5% de suas despesas para investimentos (R$ 5,8 bilhões) e 10% para custeio (R$ 11,3 bilhões).

O detalhamento mostra que as Forças Armadas gastaram quatro vezes mais com o pagamento de pensão militar (R$ 25,7 bilhões) do que com investimentos —cenário que deve ser amenizado com o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que destinou R$ 52,8 bilhões para projetos de Defesa até 2030.

O perfil geral do gasto de defesa dos 29 países-membros da Otan é diferente da despesa brasileira. Somente 9 países da aliança militar possuem o orçamento consumido por pessoal igual ou superior a 50% —e só 3 países (Portugal, Canadá e Bélgica) gastam menos de 20% com investimentos.

A meta de gastar 2% do PIB na área de defesa foi estipulada pela Otan, aliança militar da qual o Brasil não faz parte. Mesmo fora do grupo, sucessivas gestões do Ministério da Defesa, de Celso Amorim a José Múcio, defendem que o percentual também seja aplicado no Brasil.

De acordo com o último relatório de gestão divulgado pela Otan, com dados de 2022, somente sete dos 29 países-membros da aliança militar alcançaram a meta orçamentária.

São eles Grécia (3,54%), Estados Unidos (3,46%), Lituânia (2,47%), Polônia (2,42%), Reino Unido (2,16%), Estônia (2,12%) e Letônia (2,07%).