A pandemia de covid-19 pode fazer com que tenhamos que lidar com doenças de fundo psicológico no futuro. A conclusão é do médico residente do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Rodolfo Damiano, que publicou recentemente um artigo na revista General Hospital Psychiatry sobre sequelas psiquiátricas envolvendo pacientes que se recuperaram da infecção.
O estudo avaliou 425 pacientes que apresentaram formas moderadas e graves da doença e permaneceram internados no complexo do Hospital das Clínicas-USP.
“Começamos em 2020, após a primeira onda. Naquela época, alguns estudos já começavam a apresentar incidência de transtornos neuropsiquiátricos nos pacientes com covid-19. Mas eram estudos pequenos, estudos que usavam algumas técnicas escalas não tão sofisticadas. Eram estudos majoritariamente americanos, e europeus. Não existiam estudos brasileiros com a nossa população, e não existiam estudos com a complexidade que a gente propôs”, explica.
“Com certeza podemos falar de uma eventual pandemia de transtornos mentais. As questões cognitivas, que algumas vezes damos pouca atenção, têm um impacto muito grande na vida do indivíduo”.
O estudo integra um projeto liderado por Graldo Busatto Filho, professor da FMUSP, onde especialistas e várias áreas acompanham eventuais sequelas da covid-19.
“Notamos uma prevalência aumentada de transtornos psiquiátricos, principalmente transtornos de ansiedade generalizada, transtorno depressivo maior, e também transtorno de estresse pós-traumático, que no caso era especificamente voltado a covid-19 em si”, conta o Dr. Rodolfo.
“O que chamou mais atenção, além dos transtornos psiquiátricos que já eram esperados, foram os déficts cognitivos, que ficaram muito acima do esperado e muito acima do previsto relacionado a outras infecções virais prévias, como, por exemplo, quando houve surto de H1N1. Isso chamou muita atenção.”
Mais da metade dos participantes (51%) relatou ter percebido declínio na memória. Outros 13,6 afirmaram ter passado por estresse pós-traumático, e 15,5%, ansiedade generalizada – 8,14% deles após a covid-19. Os médicos diagnosticaram depressão em 8% dos pacientes, 2,5% somente após a internação.
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“Mais de 50% dos pacientes relataram prejuízo de memória, mas em certos objetivos, a gente notou uma alteração tanto de atenção quanto de função executiva. Ou seja, a função executiva se refere a execução, a fazer algumas tarefas básicas, algumas tarefas simples em que os indivíduos tinham facilidade e começaram a apresentar uma grande dificuldade. Isso gera um impacto muito grande tanto na parte de saúde mental, mas também na parte profissional”, avalia.
Os participantes foram submetidos a testes cognitivos para avaliação da memória, atenção, fluência verbal e orientação espaço-temporal, além de passar também por uma avaliação com um psiquiatra.
Segundo o especialista, os casos podem sim ser tratáveis, desde que haja uma avaliação e um tratamento adequado.
“Agora teremos mais uma onda de avaliação depois de dois anos da covid-19. Posso dizer, no geral, que casos leves, com certeza são reversíveis e tratáveis, geralmente a indicação é mudança de hábito de vida. Exercício físico, melhorar alimentação, aumentar atividades lúdicas, reuniões sociais – não no sentido de aglomeração, mas de criar laços próximos. Agora casos moderados e graves vão precisar de uma assistência e um tratamento especializado.”
Impacto inédito
O Dr. Rodolfo Damiano afirma que apenas o surto de HIV, no início dos anos 1990, teve consequências comparáveis às da situação que estamos vivendo agora, guardadas as devidas proporções.
“A última vez [que vimos um impacto tão grande na saúde mental da população], talvez tenha sido no surto de HIV. De uma forma tão ampla, de afetar uma quantidade tão grande de pessoas, com certeza é a 1ª vez. Se a gente for em um aumento pequeno, de 1%, de transtornos depressivos na população mundial acometida pelo vírus, estamos falando de milhões de pessoas – ou 0,5% de aumento, que pode ser um percentual pequeno, mas em termos mundiais, tem um impacto gigantesco na questão econômica, na saúde pública, na taxa de suicídio, na vida das pessoas, na qualidade de vida. Ou seja, deste nivel de complexidade e pela generabilidade assim dos sintomas, é a primeira vez.