A derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) em sua campanha pela reeleição, no final de outubro, deverá provocar uma nova injeção de recursos no Fundo Amazônia. Os governos da Noruega e da Alemanha, financiadores da iniciativa, informaram que desejam fazer novos aportes de verba devido à vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Até o momento, os países europeus não detalharam quanto pretendem investir, o que só deverá ser definido com a retomada das negociações. Mesmo sem esse dinheiro, porém, o Fundo Amazônia já garantiu o desbloqueio de quase R$ 3,6 bilhões, que tinham sido depositados antes do governo Bolsonaro e permaneceram congelados ao longo de toda a gestão.
A passagem de bastão no Planalto abre a perspectiva não apenas da retomada dos pagamentos de Noruega e da Alemanha, mas também de uma ampliação do acordo. A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, cotada para voltar ao cargo no novo governo Lula, sugeriu a John Kerry, enviado especial dos Estados Unidos para o clima, que o país passe a contribuir com o projeto.
Marina conversou com Kerry na COP27, a 27ª Conferência das Nações Unidas para o Clima, no Egito. Ontem, o americano afirmou que está “animado” para conversar com Lula, que deve discursar hoje no evento. Kerry disse que aguarda a conversa com o petista para definir a futura ajuda dos EUA para ações de preservação da Amazônia.
O que é o Fundo Amazônia? Criado em 2008 por meio de um decreto do governo federal, o fundo foi aberto para financiar ações de controle do desmatamento na Amazônia Legal, além de fomentar projetos para o uso sustentável dos recursos da região. Desde o início do funcionamento, o fundo apoiou 102 projetos, dos quais 47 já foram concluídos.
O dinheiro, que fica depositado em uma conta do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Até 2019, a verba era gerida por dois comitês, um orientador e outro técnico, criados para monitorar o uso dos recursos. Cabia a esses colegiados aprovar novos projetos e firmar os contratos para a execução de cada um.
No final daquele ano, contudo, Bolsonaro e o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiram os colegiados, com o argumento de que o fundo precisava de uma “análise mais rigorosa” por apresentar “indicativos de disfuncionalidades”. O governo, no entanto, não chegou a apontar irregularidades concretas.
Qual foi a consequência dessa decisão? Sem os comitês, os projetos já em andamento continuaram a ser financiados, mas não houve assinatura de novos contratos. Isso levou ao congelamento de uma verba que, no final do ano passado, alcançava R$ 3,58 bilhões, segundo relatório publicado pelo BNDES em junho de 2022.
Para a ambientalista Suely Araújo, que presidiu o Ibama no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) de 2016 a 2018, não havia justificativa razoável para a extinção dos comitês e a consequente paralisação de novos projetos.
“Isso é um crime. O Ibama, para fiscalizar o Brasil inteiro, tem à disposição R$ 200 milhões por ano, se chega a isso. E você tem mais de R$ 3 bilhões parados lá. Isso é uma fortuna para o Meio Ambiente”, disse Suely Araújo, ex-presidente do Ibama.
A situação só foi revertida há duas semanas, no dia 3 de novembro. A pedido de três partidos — PT, PSB e PSOL —, que entraram com uma ação em junho de 2020, o STF (Supremo Tribunal Federal) obrigou a União a reativar o fundo em até 60 dias. A decisão foi tomada por 10 votos a 1, vencido o ministro Nunes Marques, um dos indicados por Bolsonaro para a Corte.
O prazo dado pelo Supremo significa, na prática, que a medida poderá ser cumprida só no governo Lula, em janeiro. Isso porque os 60 dias só começam a contar após a publicação do acórdão, o que ainda não aconteceu.
O UOL Notícias questionou ao ministério do Meio Ambiente se pretende tomar providências para reativar o fundo, e de que forma, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem. Se houver manifestação da pasta, ela será incluída no texto.
Que tipo de iniciativa o fundo financia? Por um lado, a verba é usada em ações de fiscalização, como o aluguel de caminhonetes e helicópteros para o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), no combate a queimadas, por meio da compra de equipamentos e do pagamento a brigadistas, e no desenvolvimento de sistemas para monitorar a perda de vegetação.
O dinheiro também serve para fortalecer a economia local, com o incentivo à produção de itens como açaí, babaçu, mandioca e castanhas, e financia iniciativas de turismo e divulgação científica, parte delas em parceria com estados e municípios.
O que será financiado com a verba destravada? Ainda não se sabe. Assim que a determinação do STF for cumprida, os comitês recriados terão que avaliar novamente os projetos, escolher os contemplados e definir um cronograma específico para a execução de cada um.
O mesmo valerá para os novos recursos que vierem a ser aplicados por Noruega, Alemanha e outros países, segundo explica Adriana Ramos, assessora política do ISA (Instituto Socioambiental) e especialista em política ambiental.
“Os países financiadores vão precisar, em primeiro lugar, negociar metas com o novo governo. Os aportes ao fundo estão associados estão associadas à queda do desmatamento, que é aferido a cada ano. Vai ser preciso avaliar as taxas atuais e verificar que compromissos o Brasil poderá assumir, nos próximos anos, para derrubar esses números”, explica.
com informações do UOL*