Rien Schuurhuis nunca esperou vencer o campeonato mundial de ciclismo deste ano, nem chegar perto de conquistar a distintiva camisa arco-íris da competição. Para o único representante do Vaticano em um pelotão de 200 ciclistas, apenas estar na corrida na Suíça já era suficiente.
“Se você pratica ciclismo apenas para vencer, então a maioria dos ciclistas será muito infeliz”, disse Schuurhuis à CNN Sport. “Muitos ciclistas, não apenas eu, sabem antes de começar que não vão vencer.”
O campeonato mundial deste ano marcou o último e talvez final capítulo da odisseia esportiva de Schuurhuis com o Vaticano, que o viu se tornar o primeiro ciclista a competir pelo pequeno estado em nível de elite.
Desde 2022 – logo após a União Ciclística Internacional (UCI), órgão global do ciclismo, reconhecer o Vaticano como membro – o ciclista nascido na Holanda participou de três campeonatos mundiais, além do Campeonato Europeu em setembro na Bélgica, em cada ocasião vestindo orgulhosamente a camisa amarela e branca de sua equipe.
Cobrindo cerca de 40 hectares e com uma população de 1.000 pessoas, o Vaticano é uma presença improvável em algumas das maiores corridas anuais de ciclismo. No entanto, ao longo dos anos, Schuurhuis reuniu um pequeno, mas vocal clube de fãs.
Ciclista do Papa
“Havia uma subida no campeonato mundial de 2022 e todos gritavam: “O ciclista do Papa! O Vaticano!” Então todos me conheciam”, conta ele. “O que vi agora na Suíça há algumas semanas, há até grupos de torcedores que têm uma bandeira do Vaticano com meu nome escrito.”
Com a conquista de um título importante fora de questão – Schuurhuis não conseguiu terminar uma corrida do campeonato mundial, tal é a natureza brutal da competição – o foco está em espalhar uma mensagem de inclusão e fraternidade.
A Athletica Vaticana – primeira associação esportiva oficial do Vaticano – foi estabelecida em 2019, e o Papa Francisco logo destacou o ciclismo como um veículo para promover a unidade, observando como o trabalho em equipe no pelotão mantém “um espírito de abnegação, generosidade e comunidade para ajudar aqueles que ficaram para trás.”
Dado este objetivo, talvez haja uma ironia em Schuurhuis ser o único representante do Vaticano nas principais corridas. Mas o atleta de 42 anos conta com o apoio de uma pequena equipe de gestão, que inclui o ex-ciclista profissional Valerio Agnoli.
Em cada corrida, o objetivo final de Schuurhuis tem sido fazer as pessoas falarem sobre a equipe e o que ela representa. “Se você está em uma fuga nos estágios iniciais da corrida”, diz ele, “você consegue um pouco de exposição e esse foi um momento para, eu acho, jornalistas e televisão e rádio falarem sobre o objetivo pelo qual estamos lá. E isso ajuda.”
Ciclista e jogador de futebol entusiasta em sua juventude, o primeiro contato de Schuurhuis com o esporte de alto nível veio quando jogou na I-League, a segunda divisão do futebol profissional na Índia. Uma mudança para a Austrália se seguiu, e a partir daí seu foco mudou para o ciclismo, competindo por equipes semiprofissionais pela Ásia.
Sua família se mudou para Roma quando sua esposa, Chiara Porro, foi nomeada Embaixadora da Austrália junto à Santa Sé em 2020, oferecendo uma oportunidade para ele competir pelo Vaticano no cenário internacional.
Também atleta dedicada, Porro tem se envolvido nos projetos esportivos do estado, participando de uma corrida de revezamento há três anos ao lado de equipes de refugiados, detentos e pessoas com deficiência. Ela descreve a Athletica Vaticana como “bem desenvolvida” com padres, bispos, religiosas, leigos, Guardas Suíços e diplomatas entre seus membros.
“O esporte é um grande nivelador, supera todo tipo de barreiras”, disse Porro à CNN. “Acho que se trata de destacar o esporte como outro caminho para criar coesão comunitária, coesão social, construção da paz e desenvolvimento. É um caminho, como educação e cultura, para alcançar outros objetivos que são muito necessários no momento.”
Esporte no Vaticano
A ligação do Vaticano com o esporte não se limita apenas aos últimos cinco anos. O papa mais esportivo das últimas décadas foi o Papa João Paulo II (1979-2005), um ávido esquiador e nadador que continuou a frequentar as pistas de esqui após sua eleição e até construiu uma piscina olímpica na residência de verão papal de Castel Gandolfo.
O Papa Francisco, primeiro pontífice latino-americano, é um fã de futebol que atuou como goleiro e torceu pelo San Lorenzo durante sua juventude na Argentina. Certa vez, brincou com a lenda argentina Diego Maradona – descrito pelo Papa Francisco como um “poeta” em campo – sobre o famoso gol da “mão de Deus” nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986 contra a Inglaterra. “Perguntei a ele, brincando, “Então, qual é a mão culpada?””, escreveu em uma memória publicada recentemente.
Durante o pontificado do Papa Francisco, o envolvimento do Vaticano com o mundo do esporte aumentou significativamente. Além do estabelecimento da Athletica Vaticana, o Dicastério para a Cultura e Educação atua como um equivalente ao “ministério do esporte”.
“A Athletica Vaticana… percorreu sua primeira etapa a toda velocidade, em um turbilhão de iniciativas esportivas, solidárias e espirituais”, disse Giampaolo Mattei, Presidente da Athletica Vaticana, à CNN Sport.
“Em muitas ocasiões, o Papa Francisco se encontrou e teve palavras de encorajamento e direção para “sua” equipe… chamando a si mesmo de “técnico do coração” da Athletica Vaticana.”
Quanto a Porro, que aos 40 anos é uma das embaixadoras mais jovens servindo no Vaticano, ela espera que o Vaticano possa um dia participar das Olimpíadas, apontando para os Jogos de Brisbane 2032, na Austrália, como uma meta a ser alcançada.
Após quatro anos em Roma, sua missão no Vaticano deve terminar no final do mês, e ela e Schuurhuis retornarão a Camberra, Austrália, com seus dois filhos.
Embora a mudança marque o fim do tempo de Schuurhuis competindo pelo Vaticano, ele está confiante de que continuará praticando ciclismo, com seu amor pelo esporte mais forte do que nunca.
“É isso que eu sou, é isso que me faz feliz”, diz ele. “Geralmente, é o melhor momento do dia, sair para pedalar e me sentir energizado o dia todo depois.”
Este conteúdo foi originalmente publicado em “Ciclista do Papa”: Vaticano quer marcar presença no cenário esportivo mundial no site CNN Brasil.