“Quebrou-se o gelo” no relacionamento entre os presidentes Jair Bolsonaro e Joe Biden. Com essa expressão o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, descreveu o primeiro encontro entre os dois chefes de Estado, no âmbito da IX Cúpula das Américas, que termina nesta sexta-feira. E esse não foi o único gelou que se quebrou na cidade de Los Angeles, sede do encontro. Segundo confirmou o chanceler brasileiro, Bolsonaro também teve seu primeiro tête-à-tête — improvisado e por inciativa do presidente brasileiro — com seu par argentino, Alberto Fernández.
O clima na delegação brasileira é de satisfação e, em alguns casos, até mesmo euforia. Se em algum momento houve receio sobre a presença de Bolsonaro na cúpula presidencial, após a conversa com Biden todos respiraram aliviados. Ficou claro que as negociações entre o Planalto e a Casa Branca para convencer o presidente a vir até Los Angeles incluíram garantias de que a visita de Bolsonaro ocorreria num ambiente cordial, sem saias justas nem cascas de banana.
De fato, não houve nada disso. O presidente brasileiro foi recebido num clima de extrema boa predisposição por parte dos anfitriões. Fontes do governo brasileiro asseguraram que nas conversas bilaterais não houve cobranças sobre democracia, meio ambiente, ataques ao Supremo Tribunal Federal ou eleições. O próprio Bolsonaro confirmou que falou mais do que Biden, e que o encontro superou suas expectativas.
“O encontro superou mesmo as expectativas e reforçou o papel do Brasil como um global player, esse é o lugar do Brasil no mundo”, frisou o chanceler brasileiro, visivelmente satisfeito com o resultado do encontro.
O embaixador do Brasil nos EUA, Nestor Foster, disse a vários interlocutores que a reunião bilateral foi “excepcional”, mesmo termo usado por Bolsonaro para falar sobre sua conversa com um presidente que o governo brasileiro demorou mais de um mês para reconhecer como chefe de Estado eleito. A sensação em Los Angeles foi de que somente agora, após o encontro, Bolsonaro finalmente passou a considerar Biden como presidente legítimo dos Estados Unidos. E Donald Trump? É coisa do passado, repetiram em coro representantes do governo brasileiro.
Esta mesma semana, Bolsonaro falou sobre suspeitas de fraude na eleição presidencial americana de 2020. Em Los Angeles, nada disso foi mencionado. O governo Biden cumpriu suas promessas de que a visita de Bolsonaro ocorreria sem sobressaltos, e Bolsonaro não falou em Trump, nem em suposta fraude no pleito de 2020. Observado de fora, pareceu um acordo muito bem costurado para garantir que o presidente brasileiro estaria na cúpula e evitaria, assim, que o encontro de presidentes fosse um total fracasso para a Casa Branca.
A ausência do presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, foi um golpe duro para o governo americano. Também se ausentaram os chefes de Estado de Honduras, El Salvador, Uruguai, Guatemala e Bolívia, entre outros. Contar com a participação do Brasil era fundamental para derrubar a narrativa de que os EUA não conseguiram trazer países de peso até Los Angeles.
O encontro foi muito mais frio do que outros, por exemplo, entre Biden e o presidente do Chile, Gabriel Boric. Mas o Brasil colocou sobre a mesa a agenda que interessa a Bolsonaro, principalmente sobre comércio. O governo brasileiro pediu até mesmo a revisão das cotas aplicadas às importações de aço e obteve de Biden a promessa de que pediria informações sobre o assunto. Virou-se uma página. Resta saber como vai evoluir o que começou na cúpula.
O encontro com Fernández foi outra surpresa. Segundo comentaram fontes brasileiras, foi Bolsonaro quem chamou o presidente argentino para conversar e ambos terminaram falando sobre energia, investimentos e, também, sobre a situação política regional. Expressaram suas diferenças de coração aberto, explicou uma fonte do governo brasileiro.
O presidente brasileiro impôs condições para vir à cúpula e confirmou que só viajou porque “a agenda foi acertada”.
“É igual casamento, você aceita meus defeitos, eu aceito os teus e vamos ser felizes”, foi a frase que definiu o novo momento da relação bilateral.
Quando será a nova crise conjugal? É o que muitos se perguntam.
Fonte: O Globo