O Supremo Tribunal Federal (STF) referendou por 8×2 a liminar da ministra Rosa Weber e suspendeu os repasses das emendas do relator que formavam o ‘orçamento secreto’. Em 2012, a Corte se debruçou sobre a ação penal 470, conhecida como ‘Mensalão’. Afinal, qual a diferença entre os dois?
O Mensalão foi um esquema baseado no pagamento de uma “mesada” de R$ 30 mil por mês para parlamentares que votassem em projetos do Executivo. O então deputado Roberto Jefferson, delator do escândalo, acusou o empresário Marcos Valério Fernandes de repassar dinheiro de estatais e empresas privadas a congressistas que topassem fazer parte do acordo.
O chamado ‘valerioduto’, que o Ministério Público diz ter sido comandado pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, desviou pelo menos R$ 101,6 milhões, segundo levantamento da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).
“O mensalão foi um esquema de desvio de recurso para compra de apoio parlamentar por verbas de publicidade, entre outras, que poderiam ser contratadas pelas estatais”, lembra Alexandre Pires, professor dos cursos de Ciências Econômicas e Relações Internacionais no Ibmec SP.
O “orçamento secreto”, “Tratoraço”, ou “Bolsolão” é diferente
Todo ano o governo envia o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) e os deputados podem sugerir emendas para anular despesas ou corrigir eventuais erros e omissões, como dita o parágrafo 3.º do artigo 166 da Constituição.
Em 2015 e 2019, as emendas individuais (RP6) e de bancada (RP8) tornaram-se impositivas, respectivamente. A primeira permite que cada parlamentar indique onde quer alocar o dinheiro, e o montante reservado para este ano é de R$ 9,7 bilhões, divididos igualmente entre os deputados. Já na de bancada, deputados do mesmo estado podem indicar a finalidade da verba, que este ano é de R$ 7,3 bilhões.
Em 2019, no entanto, o Congresso aprovou uma nova categoria de emenda, as emendas de relator (RP9). Esse dispositivo permite que o deputado que indicou o destino da verba fique oculto e a finalidade passa a ser definida pelo relator do Orçamento, que muda ano a ano.
“Não é secreto o fato do relator ter solicitado aquela despesa, naquele município, isso é público. O secreto é quem essa emenda beneficia”, explica o cientista político Alberto Carlos Almeida. “É uma barganha para conseguir apoio de deputados e senadores. Não importa se é de oposição, esquerda ou direita, o que importa é que apoiar o governo tem um preço”, completa.
Até o momento, o que se viu foram casos onde as RP9s foram usadas para abastecer cidades do interior com tratores superfaturados e redutos eleitorais de parlamentares de destaque foram contemplados com o “PIX orçamentário”. A cidade de Barra de São Miguel (AL), por exemplo, governada por Benedito de Lira, pai do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi agraciada com R$ 3,8 milhões provenientes de emendas do relator . Segundo o último Censo, a cidade possui 7.574 habitantes.
Leia Também
“Nós estamos vendo um mecanismo de destinação de recursos que é constitucional”, explica Alexandre, da Ibmec, que completa: “É como se cada deputado ou senador tivesse a pretensão de ser um ‘prefeito remoto’ lá de Brasília e o Orçamento deixa de ser uma peça única para ser instrumento de negociação”.
Combustível eleitoral
Os deputados que apoiarem as pautas do governo agora tem maior probabilidade de serem eleitos em 2022. Isso porque o candidato que conseguir destinar maior quantidade de verba para um município tende a ser apoiado pelo prefeito no pleito do ano que vem.
Leia Também
“Vamos supor que um deputado leva para uma Santa Casa de Misericórdia R$ 100 mil. Um outro deputado que tem uma emenda de relator leva R$ 500 mil. Então esse deputado que leva mais vai ter mais apoio político de cabos eleitorais naquele município. Isso vai favorecer muito o governismo. Os deputados que apoiam o governo Bolsonaro e os deputados que mais conseguiram recurso do orçamento ficarão na disputa de 2022”, afirma o professor Alberto Carlos Almeida, autor do livro “O voto do brasileiro”.
O cientista político alerta, no entanto, que outro fator será preponderante nas urnas em 2022, que é o fato do candidato a presidente puxar o voto. Nas eleições municipais do ano passado, por exemplo, os que surfaram a onda do bolsonarismo ainda não tinham sido contemplados pelo orçamento.
Alexandre Pires, da Ibmec, projeta um cenário conturbado em 2023, independente de quem vencer as eleições, incluindo outro parlamento fracionado e um Executivo minoritário que precisará angariar apoio.
“Esse desarranjo institucional vai se intensificar com essas reformas nocivas que desorganizam a economia e aumentam a imprevisibilidade. A publicidade dos recursos vai se tornando mais opaca e o parlamento escolhe o futuro do país de forma mais casuísta.”
A decisão do STF de suspender o pagamento das emendas não se deu com base na ilegalidade das emendas do relator, que estão previstas na Constituição. Na liminar da ministra Rosa Weber é questionado o mérito de transparência da verba pública.
Para Alberto Carlos Almeida, as RP9s podem ser consideradas imorais, mas a raiz do problema seria o sistema eleitoral. “Ele [o sistema eleitoral] faz com que os deputados precisem buscar recursos. Ao atender os municípios com esse dinheiro, os beneficiários das emendas apoiam a campanha do deputado”.
Como forma de amenizar a necessidade do “presidencialismo de cooptação”, o cientista político sugere que o voto deixe de ser no cidadão e passe a ser em listas eleitorais, propostas pelos partidos, em que o eleitor escolhe o partido.