IEREVAN, ARMÊNIA (FOLHAPRESS) – Dezenas de milhares de pessoas marcharam por Ierevan, capital da Armênia, neste feriado de quarta-feira (24), dia nacional do país, para lembrar o 109º ano do Genocídio Armênio, evento marcado pelo assassinato em massa de armênios étnicos pelo antigo Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial.

O primeiro-ministro do país, Nikol Pashinyan, depositou flores no Memorial do Genocídio Armênio de Tsitsernakaberd, onde uma chama eterna paira em meio a 12 monolitos, que representam as 12 maiores cidades armênias que hoje estão encravadas em território da Turquia, que ficou com a maior parte do espólio otomano.

Em um discurso talvez surpreendente, Pashinyan instou os armênios a “superar o trauma” de seus parentes massacrados e a parar de desejar sua “pátria perdida”. Segundo ele, esse sentimento duradouro impede muitos deles de avaliar objetivamente os assuntos internacionais e os desafios que a Armênia enfrenta no século 21.

“Talvez esta seja também a razão pela qual temos novos choques, revivendo o trauma do genocídio armênio como legado e como tradição”, afirmou.

O genocídio começou com prisões de 250 intelectuais e ativistas armênios em Constantinopla (atual Istambul), em 24 de abril de 1915, que foram levados para morrer no deserto. Estima-se que 1,5 milhão de súditos armênios do Império Otomano foram massacrados ou morreram de fome nos meses e anos seguintes.

Cerca de três dezenas de nações, incluindo Rússia, França, Alemanha e Estados Unidos, reconheceram o genocídio, mas o Brasil segue a meio caminho. O Senado o reconheceu em 2015, mas o documento ainda não foi aprovado pelo Planalto.

A Turquia, por outro lado, jamais o reconheceu como tal, atribuindo a mortandade de armênios a um conflito localizado numa tentativa de defender a soberania nacional de um Império Otomano em colapso, e não como uma política premeditada de extermínio. Também negam que 1,5 milhão de armênios tenham morrido pelas mãos de turcos e de mercenários curdos.

“É hora de deixar de lado ideias infundadas”, afirmou o presidente turco, Recep Erdogan. “É sempre melhor agir de acordo com as realidades da época do que agir de acordo com narrativas históricas ficcionais que nada têm a ver com a realidade. Pashinyan já entendeu isso”, disse o presidente nesta segunda-feira, segundo a imprensa do Azerbaijão, aliado da Turquia.

Em setembro do ano passado, tropas azeris invadiram o enclave de Nagorno-Karabakh, então de maioria étnica armênia, dissolveram o governo local e colocaram o território sob controle de Baku.

O massacre de 1915 provocou uma diáspora que espalhou a etnia por todo o mundo, inclusive o Brasil, onde hoje vivem algo entre 40 mil e 100 mil descendentes. Um deles é o arquiteto paulistano Norair Chahinian, que escreveu dois livros sobre a Armênia.

Um dos diretores da Ugab Brasil (União Geral Armênia de Beneficência), Chahinian é neto de migrantes armênios que vieram de Alepo, na Síria, em 1963. Do lado materno, ele conta, apenas dois irmãos de uma família de 35 pessoas conseguiram fugir do genocídio em Urfá, cidade hoje pertencente à Turquia.

O mais velho, que era político, foi jogado de um penhasco. Os outros 32 membros foram assassinados em casa, quando mercenários curdos invadiram a residência. Os dois restantes estavam fora da cidade, fazendo comércio, e se salvaram, reencontrando-se em Alepo sete anos depois.

Em 2012, Chahinian foi a Urfá e encontrou a antiga residência. Tinha se transformado num hotel boutique, com oito quartos, após o governo turco dar a concessão do imóvel a uma cidadã curda.

A curda havia reformado todo o hotel, mas manteve uma inscrição talhada nos tijolos da parede de um dormitório. O arquiteto recebeu justamente esse quarto e, ao entrar ali, se deparou com uma mensagem que um dos irmãos escrevera ao outro em 1915: “Vim na casa da família e fiquei 25 dias. Estou indo para Alepo. Quem ler essas linhas que se lembre de mim”.

Questionada por Chahinian por que não havia destruído a mensagem, a dona do hotel disse “saber que se tratava de uma residência armênia da época do genocídio”. “E que acreditava que algum dia alguém da família apareceria ali”, conta o brasileiro.

E ali estava Chahinian. Que, nesta quarta, lembrou-se de seus 33 familiares assassinados ao depositar cravos no memorial de Ierevan.

O jornalista viajou a convite da UGAB Brasil (União Geral Armênia de Beneficência).