PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Com o alerta da cheia histórica do Guaíba, frequentadores e trabalhadores do centro de Porto Alegre vivem um dia de caos, medo e muita preocupação com mercadorias nesta sexta-feira (3).

O lago ultrapassou a marca de 4,5 metros no Cais Mauá pela manhã. É nível mais alto desde 1941, a maior enchente da história da cidade, quando o Guaíba atingiu 4,76 metros. O nível de alerta para a região do centro histórico é de 2,5 metros, sendo 3 metros para inundação.

O vazamento de água por bueiros e bocas de lobo interditou as principais vias de acesso à região e várias ruas ao longo da orla da cidade. A avenida Mauá está quase inteiramente debaixo d’água. A correnteza sobre o asfalto é tamanha que um contêiner de lixo boiava, arrastado rapidamente pela chuva.

Na avenida Júlio de Castilhos, via de saída, a situação é semelhante. Todos os pontos de ônibus do local estão alagados ou inacessíveis, e trabalhadores que foram dispensados ao meio-dia não sabiam como voltar para casa.

A água do rio Guaíba está já invadindo o coração de Porto Alegre”, diz o locutor de lojas Sander Severo Silva, que trabalha nas principais ruas comerciais do centro histórico. Ele conta que muitas pessoas já estavam se preparando desde quinta (3) para recolher as mercadorias.

Sander mora no Jardim Leopoldina, na zona norte da capital, mas as avenidas Farrapos e a Sertório, que fazem parte do trajeto até o bairro, estão com trechos submersos e podem alagar mais após o rompimento do portão 14 do sistema de contenção.

Os pontos de ônibus do largo Parobé e do Pop Center, que ligam o centro ao norte da capital, estão desativadas. A reportagem não localizou agentes da prefeitura ou das empresas de transporte próximos a esses terminais para indicar à população onde seria a partida das linhas municipais.

“Não tem como explicar essa situação, não tem nem o que a gente possa dizer sobre o que fazer futuramente”, diz Sander.

Ao lado do Parobé, uma feira de hortifrutis ficou praticamente ilhada. “O mínimo vento e já vem aqui a água. Aqui na frente já está tudo cheio, e as lojas já estão fechando”, conta o feirante Hermes Rodrigues.

Como não há mais acesso de veículos ao largo, não há como remover as frutas e legumes. O plano é fazer como os primeiros fruteiros a deixar o local, e guardar tudo no lugar mais alto possível das bancas.

“A gente já comprou umas lonas, vamos enlonar tudo, porque o pessoal que cuida à noite não vai poder vir.”

Ao redor do Mercado Público de Porto Alegre, dezenas de baratas correm pela calçada, enquanto pedestres e ciclistas faziam videochamadas para mostrar o alagamento, que era crescente.

O trecho final da rua Voluntários da Pátria, centro comercial popular está intransitável. Muitos vendedores terminavam de levantar produtos e trancavam seus estabelecimentos faltando centímetros para a água entrar.

Na rua dos Andradas, duas quadras acima da Mauá, a lojista Vitória Collar saiu de manhã cedo da sede administrativa para ajudar na arrumação preventiva da filial de uma rede de produtos de cama, mesa e banho,

“A sensação é de incredulidade”, diz. “Eu tenho medo, porque a gente não sabe até onde vai a água, se vai vir um metro, dois metros, as informações estão desencontradas.”

A estava no centro acompanhando a filha fotógrafa, que foi registrar a inundação na praça Revolução Farroupilha, onde fica a saída do trem intermunicipal e do barco Cisne Branco, ambos inacessíveis com mais de meio metro de água.

Moradora de Quaraí, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul, a dona de casa Samara Aguilera viajou a Porto Alegre para fazer exames médicos na semana passada. Ela pretendia retornar nesta semana para casa, mas as chuvas a deixaram presa.

“Não tem como voltar, as estradas estão todas bloqueadas”, conta Samara. Além disso, a rodoviária de Porto Alegre está alagada.

“Eu já morei em Porto Alegre por 30 anos, e nunca vi isso. Via alagamentos na avenida Beira-Rio [via próxima ao Guaíba e fora do sistema de contenção], mas isso aqui, nesse estado assim, nunca. É assustador.”

Durante a conversa com a reportagem, na praça Revolução Farroupilha, um agente municipal pediu que todos deixassem o local pelo risco de rompimento de outros portões de contenção.

A água se espalhou pela Mauá e tomou conta da maior parte da avenida Sete de Setembro, ilhando o Tribunal de Contas do Estado e se aproximando de áreas militares e do prédio da prefeitura. Vendedores ambulantes recolhiam seus carrinhos.

Na orla do Guaíba, a passarela de metal interditada na véspera já estava quase coberta pela água nesta tarde. No local, se concentram equipes de resgate que buscam moradores das áreas inundadas do bairro Arquipélago até o local.

CAPITAL ESTÁ EM CALAMIDADE PÚBLICA

A Prefeitura de Porto Alegre decretou estado de calamidade pública no município na noite de quinta (2), após a classificação do desastre provocado pelas fortes chuvas como de grande intensidade.

A Defesa Civil do município divulgou um novo alerta, indicando a possibilidade de continuidade das chuvas extremas até o meio-dia de segunda-feira (6).

A Polícia Rodoviária Federal informou que a ponte do vão móvel está bloqueada nos dois sentidos devido a alagamento.

“Teremos a elevação do Guaíba num patamar que nunca vimos e vamos precisar que as pessoas se coloquem em situação de segurança”, alertou o governador Eduardo Leite (PSDB) na quinta.

Segundo Leite, considerando as previsões de chuva intensa dos próximos dias, o evento meteorológico em curso será, possivelmente, a maior tragédia ambiental da história do Rio Grande do Sul.

As fortes chuvas que atingem o estado deixaram ao menos 37 mortos desde segunda-feira (29), 74 desaparecidos, 74 feridos e mais de 30 mil pessoas fora de suas casas. Os alagamentos arrastaram construções e isolaram moradores.