A guerra de Aref Mohammad contra o grupo do Estado Islâmico (EI) terminou no início deste outono, quando sua unidade de combatentes do Talibã foi emboscada pelo grupo terrorista no Leste do Afeganistão. Uma bala estilhaçou seu fêmur, deixando-o incapacitado e mal capaz de andar, quanto mais lutar.
Para o Talibã, que agora governa o Afeganistão, no entanto, a guerra contra o EI estava apenas começando.
“Se soubéssemos de onde eles são, iríamos persegui-los e destrui-los”, disse Mohammad, de 19 anos, em sua cama de hospital em Jalalabad, capital da província de Nangarhar, no Leste afegão, onde o Estado Islâmico mantém presença desde 2015.
Nos dois meses desde que o Talibã assumiu o controle do país após a retirada das tropas americanas, o braço do EI no Afeganistão — conhecido como Estado Islâmico Khorasan ou pela sigla em inglês Isis-K — intensificou os ataques em todo o país, sobrecarregando o novo e não testado governo, levantando preocupações no Ocidente sobre o potencial ressurgimento de um grupo que pode um dia representar uma ameaça internacional.
Os ataques visam principalmente unidades do Talibã como a de Mohammad e as minorias xiitas do Afeganistão. Atentados suicidas na capital Cabul e em cidades importantes, incluindo Kunduz, no Norte, e Kandahar, no sul do Talibã, mataram pelo menos 90 pessoas e feriram centenas de outras em apenas algumas semanas. Na terça-feira, combatentes do EI realizaram um ataque coordenado com pistoleiros e pelo menos um homem-bomba em um importante hospital militar da capital, matando pelo menos 25 pessoas.
Isso colocou o Talibã em uma posição precária: depois de passar 20 anos lutando como uma insurgência, o grupo está batalhando para fornecer segurança e cumprir seu compromisso de lei e ordem. Isso se provou especialmente desafiador para o Talibã, que tenta se defender e proteger os civis em cidades superlotadas contra ataques quase diários com um Exército treinado para guerrilha rural.
O aumento dos ataques alimentou o crescente desconforto entre as autoridades ocidentais, com algumas previsões de que o Estado Islâmico — muitas vezes considerado uma ameaça regional — poderia se tornar capaz de atacar alvos internacionais em questão de seis a 12 meses.
Colin Kahl, subsecretário para Políticas de Defesa dos EUA, disse a congressistas na semana passada que a capacidade do Talibã de perseguir o grupo “deve ser determinada”.
A afirmação de Kahl realça a preocupação central das comunidades de inteligência ocidentais: há poucas maneiras de medir a eficácia do Talibã contra o Isis-K. Não há mais acesso confiável à inteligência, já que voos limitados de drones fornecem informações fragmentadas, dada a distância que eles têm que voar apenas para chegar ao Afeganistão, segundo autoridades americanas, além da rede de informantes ter colapsado colapso.
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O Talibã, que se recusou a cooperar com Washington no combate ao EI, está lutando a guerra da sua própria maneira, com táticas e estratégias que parecem muito mais localizadas do que uma campanha do governo contra uma organização terrorista.
“O Talibã se acostumou a lutar como insurgentes, contando com uma série de ataques assimétricos para atingir as forças afegãs e americanas”, disse Colin P. Clarke, analista de contraterrorismo do Soufan Group, uma empresa de consultoria de segurança sediada em Nova York. “Mas parece claro que o Talibã não pensou muito em como a equação muda como contra-insurgente, que é efetivamente o papel que eles estão desempenhando agora contra o Estado Islâmico.”
Apesar de usar sua própria maneira para lutar contra o EI, o Talibã utiliza o ressurgimento do grupo terrorista como moeda de troca, pedindo mais ajuda financeira, enquanto busca reconhecimento internacional, segundo autoridades do Qatar. O grupo pontua que um poderoso Estado Islâmico também representa uma ameaça para outros países.
Reconhecendo a ameaça potencial ao longo de sua fronteira compartilhada com o Afeganistão, o Paquistão está transmitindo informações ao Talibã, segundo autoridades americanas.
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Basir, o chefe do braço de inteligência do Talibã em Jalalabad, é um dos líderes do grupo que está se adaptando para lutar em uma guerra da qual ele já esteve do outro lado como um insurgente do Talibã. Ele agora é responsável por defender uma cidade com centenas de milhares de pessoas.
Nos últimos anos, Jalalabad tem sido um alvo fácil para o Estado Islâmico, que despachou células de combatentes de distritos vizinhos para a cidade, realizando assassinatos e bombardeios à vontade.
Mas o grupo aproveitou as semanas durante as quais o novo governo estava se reunindo e ampliou drasticamente seu alcance.
Entre 18 de setembro e 28 de outubro, o Estado Islâmico realizou pelo menos 54 ataques no Afeganistão — incluindo atentados suicidas, assassinatos e emboscadas em pontos de controle de segurança, de acordo com uma análise da ExTrac, uma empresa que monitora a violência militante em zonas de conflito. É um dos períodos mais ativos e mortais do EI no país asiático.
A maioria desses ataques teve como alvo as forças de segurança do Talibã — uma mudança marcante em relação aos primeiros sete meses do ano, quando o EI tinha como alvo principal civis, incluindo ativistas e jornalistas.
Na luta contra o Estado Islâmico, Basir disse que seus homens adotaram métodos semelhantes aos do governo anterior, até mesmo contando com equipamentos usados pelo antigo serviço de inteligência para interceptar comunicações e sinais de rádio — ferramentas oferecidas pelo Ocidente nas últimas duas décadas como parte de um esforço para vigiar o próprio Talibã.
Ele, no entanto, insistiu que o Talibã tem o que o último governo e os americanos não tinham: o amplo apoio da população local, o que tem sido uma dádiva para conseguir alertas sobre ataques e localizações de militantes que sempre foram difíceis de obter no passado.
Esse nível de confiança e cooperação pode diminuir, dizem analistas de segurança, já que há um temor crescente de que o Talibã possa usar a ameaça do Isis-K como desculpa para praticar impunemente violência estatal em certos segmentos da população, como membros do antigo governo.
“Também há um pouco de arrogância e excesso de confiança porque eles acham que o Isis-K tem um apelo tão limitado no país, que, de acordo com o Talibã, é tão incomum que nunca terá um apelo generalizado. Então, eles acham que podem ignorar a ameaça”, disse Ibraheem Bahiss, consultor do centro de estudos International Crisis Group.
Ao anoitecer sobre Jalalabad em um dia recente de outubro, uma unidade de combatentes do Talibã pertencente à agência de inteligência viajou pelas ruas em uma picape Toyota modificada, com uma metralhadora montada, enquanto as ruas se enchiam de pessoas.
Os talibãs pararam em cruzamentos e pontos de controle importantes, saltando e ajudando no controle de carros e dos onipresentes riquixás amarelos de três rodas que buzinam enquanto se aglomeram nas ruas. Eles enfiaram a cabeça para dentro de um veículo, iluminando o interior com lanternas, questionando os passageiros e acenando para que continuassem.
“Temos um tribunal para cada criminoso”, disse Abdullah Ghorzang, um comandante do Talibã. “Mas não há tribunal para o Isis-K. Eles serão mortos onde quer que sejam presos.”