RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A angústia tomava conta do produtor de leite Pedro Almir Kuhn, 62, na manhã desta quarta-feira (8). Sem fornecimento de energia elétrica desde a semana passada, ele recorria a um gerador para tentar manter a produção no interior do município gaúcho de Cruzeiro do Sul (a cerca de 120 km de Porto Alegre).
Segundo Kuhn, o abastecimento de luz caiu em razão das enchentes que deixam um rastro de devastação no Rio Grande do Sul. A região do Vale do Taquari, onde fica Cruzeiro do Sul, é uma das mais afetadas.
Nesta quarta, Kuhn temia não conseguir mais óleo diesel para alimentar o gerador -seu cunhado também recorria ao aparelho para salvar a criação de 130 mil frangos.
Representantes do setor de combustíveis dizem que não existe desabastecimento geral nos postos gaúchos, mas reconhecem que há falta de produtos em parte dos pontos comerciais devido a bloqueios de estradas.
“Gerador é quebra-galho. Tocar direto com ele, não tem condições. Os donos das vacas estão estressados, e as vacas também estão estressadas. A gente nem consegue dormir”, afirma Kuhn.
“Os animais ficam nervosos, muda a lida [com as enchentes]. Tive de deixar eles presos, porque a cerca se rompeu.”
O relato do produtor ilustra parte das dificuldades causadas pelas enxurradas no Rio Grande do Sul. A catástrofe climática trouxe uma série de impactos negativos para agricultores e pecuaristas locais, que buscam manter ou retomar suas atividades.
A dimensão total dos prejuízos no campo ainda não é conhecida. Enchentes seguem afetando áreas do estado, o que prejudica -ou até inviabiliza- o acesso a propriedades rurais no momento.
Somente o setor privado já acumula um prejuízo aproximado de R$ 1 bilhão com as chuvas no Rio Grande do Sul, aponta balanço parcial da CNM (Confederação Nacional de Municípios) com dados atualizados até as 14h desta quarta.
A agricultura responde pela maior parte das perdas: R$ 594,6 milhões. A indústria (R$ 183,3 milhões) e a pecuária (R$ 147,7 milhões) vêm em seguida.
Demais serviços (R$ 58,2 milhões) e comércios locais (R$ 38,5 milhões) completam a lista de atividades com informações disponíveis.
Em termos gerais, as chuvas deixaram um prejuízo parcial de R$ 6,3 bilhões no estado, somando as perdas no setor privado (R$ 1 bilhão), no setor público (R$ 1,9 bilhão) e em habitações (R$ 3,4 bilhões), diz a CNM.
A entidade afirma que os dados são parciais porque as informações são alteradas pelos municípios à medida que os trabalhos de campo se intensificam.
“É fato: vamos precisar de políticas de crédito específicas para o Rio Grande do Sul, de questões relacionadas a prazos de dívidas e novos recursos. A situação é realmente calamitosa”, declara Márcio Madalena, secretário estadual adjunto da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação.
As enchentes arrancaram estruturas no campo e, inicialmente, inviabilizaram a distribuição de insumos para parte dos produtores.
Em um primeiro momento, os danos das chuvas a estradas e pontes também travaram abates de animais e retirada de leite de propriedades.
Esse quadro, segundo o secretário, está sendo retomado a partir de alguma melhora nas condições logísticas dos últimos dias.
“É muito difícil precisar o impacto em números, porque as coisas ainda estão acontecendo”, diz. “Estamos com foco no abastecimento, na normalização dos setores produtivos.”
Em 2021, a agropecuária respondeu por 14,9% do valor adicionado bruto ao PIB (Produto Interno Bruto) do Rio Grande do Sul, de acordo com o DEE (Departamento de Economia e Estatística), órgão vinculado ao governo do estado.
O percentual supera com folga a participação do setor na economia nacional, que foi de 7,7% no mesmo ano, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Um dos destaques do campo gaúcho é o arroz. O estado responde por cerca de 70% da produção brasileira do cereal.
“Temos vários relatos dramáticos de produtores que perderam casas com as enchentes, animais nas propriedades, arroz colhido que estragou. O momento é de muita tristeza”, diz Alexandre Velho, presidente da Federarroz (Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul).
Com receio do impacto das chuvas na inflação de alimentos, o governo federal planeja a importação de arroz. Essa medida, contudo, é contestada pelos produtores.
Velho afirma que, apesar dos estragos das enchentes e das dificuldades logísticas, é possível abastecer o mercado interno. Cerca de 83% das lavouras de arroz do Rio Grande do Sul já foram colhidas.
Mesmo com a possibilidade de perdas nas terras restantes, o presidente da Federarroz descarta uma produção abaixo de 7,2 milhões de toneladas no estado.
“Esse número ainda é de uma safra boa, até porque aumentou a área no restante do Brasil”, diz. O país consome aproximadamente 10,5 milhões de toneladas do cereal por ano.
Além dos impactos em culturas como arroz, soja e milho, a produção de hortifrúti do estado também foi prejudicada pelas enchentes, diz Carlos Joel da Silva, presidente da Fetag-RS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul).
De acordo com ele, os últimos dias foram de alguma melhora nos acessos a propriedades rurais, o que ajuda a chegada de insumos e a saída de mercadorias. Isso, diz, traz algum alívio para atividades como a produção de leite e a criação de frangos e suínos.
“Mas tem muitos galpões que foram embora com as enchentes, que vão ter de ser reconstruídos. Quem conseguiu permanecer fora do curso das águas agora está voltando para alguma normalidade”, diz.
Conforme Silva, uma preocupação adicional envolve a cadeia de leite. Produtores já vinham reclamando de preços baixos.
Agora, a atividade tenta se reerguer dos impactos das chuvas e em meio à entressafra, que reduz a oferta interna do produto no mercado.