Desde ontem quinta-feira (19), Belém se transformou em um dos mais importantes palcos para o turismo mundial. Durante três dias, a capital do Pará, que possui uma riqueza arquitetônica, histórica e gastronômica única, recebe a reunião de ministros do Turismo do G20, grupo das 20 maiores economias mundiais.
Junto do Brasil, ministros dos Estados Unidos, Itália, Turquia e Alemanha, por exemplo, participam de debates e analisam propostas em torno deste que é um dos maiores vetores da economia mundial. Além deles, fui convidada a participar de um dos painéis durante o evento sobre um assunto para lá de saboroso: o turismo gastronômico.
No ano passado, para a 6ª temporada do CNN Viagem & Gastronomia, eu já havia rodado Belém em busca de suas maravilhas históricas e gastronômicas. O Mercado Ver-O-Peso, o restaurante Remanso do Peixe e o trabalho com cacau orgânico na Ilha do Combú vivem na minha memória e refletem as pautas do G20.
Agora, volto para a capital paraense para, na frente de líderes e de tomadores de decisões, dar ênfase ao turismo gastronômico e sua importância. Por isso, compartilho nesta coluna alguns dados que levei ao debate, uma vez que falar sobre eles é uma forma de jogar luz não só ao turismo gastronômico, mas ao setor em geral.
Panorama do turismo gastronômico
Peru se tornou um forte destino gastronômico reconhecido mundialmente graças ao trabalho de valorização de seus ingredientes e hábitos alimentares • CNN Viagem & Gastronomia
A começar, digo que o turismo gastronômico é sobre se entregar a experiências culinárias e se conectar com um destino por meio do paladar. Os sabores de uma região, seus ingredientes e suas práticas alimentares são parte intrínseca de uma cultura.
Assim, entra também o papel de quem viaja e de quem recebe: qualquer pessoa que se desloca a outro local precisa comer, fato que ressalta o papel do turismo gastronômico como fomentador de experiências e de geração de renda.
Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), a gastronomia é o 3º principal impulsionador de viagens no mundo. Para se ter uma noção, o mercado global de turismo gastronômico foi avaliado em cerca de US$ 1,08 trilhão em 2022, e deve alcançar a cifra de US$ 1,94 trilhão até 2031, de acordo com a Allied Market Research.
Assim, este patrimônio cultural imaterial torna-se cada vez mais um fator de distinção para a atração de turistas, de acordo com definições da OMT. Pegue por exemplo o Peru: o país sul-americano sempre teve uma rica biodiversidade e hábitos alimentares singulares, mas conseguiu se destacar com sua gastronomia no cenário mundial apenas recentemente.
Entre os tantos nomes que ajudaram isso a virar realidade, posso citar o chef Gastón Acurio, que deixou as panelas de lado para promover a gastronomia peruana mundo afora e, mais recentemente, Virgilio Martínez e Pia León, que colocaram o Central, eleito o melhor restaurante do mundo, no holofote mundial, ajudando a cimentar a reputação do Peru como um forte destino gastronômico.
Quer um exemplo ainda mais enraizado de como a gastronomia distingue destinos turísticos e ajuda a promover comunidades locais? A Itália é nossa boa e velha conhecida. Suas receitas são replicadas mundialmente todos os dias, e sua gastronomia é fator chave que move milhões de pessoas ao país todos os anos. Que atire a primeira pedra – ou melhor, o primeiro polpetone! – para quem nunca associou a Itália com sua comida e sonhou em partir rumo a Toscana para fazer um curso de culinária ou saborear seus gelatos, vinhos, prosciutto e massas.
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Impactos econômicos
Enoturismo é uma das subcategorias do turismo gastronômico, que se liga a toda uma cadeia • CNN Viagem & Gastronomia
Importante mostrar que o turismo gastronômico também impacta no bolso dos locais em que ele é presente. Segundo a Skyscanner, 66% dos viajantes consideram a gastronomia como um fator importante na escolha do destino e 50% são propensos a gastar mais em experiências gastronômicas durante as viagens.
A World Food Travel Association diz que 53% dos turistas a lazer são também viajantes motivados a experimentar a comida local e que eles gastam 25% a mais do que turistas que não estão focados na gastronomia. Já segundo a OMT, o turismo gastronômico contribui com cerca de 10% do gasto total dos turistas internacionais.
Importante ressaltar que o turismo gastronômico pode ser ainda dividido em subsegmentos, como o enoturismo (turismo do vinho), o olivoturismo (turismo do azeite), ou mesmo turismo de bebidas, com rotas de cervejas e de uísque, por exemplo, e turismo do queijo em certas partes e regiões do mundo.
Todas essas subcategorias se desdobram em visitas às áreas de cultivo e produção, degustações, cursos e a comercialização direta de produtos. Ou seja, é toda uma cadeia que se liga. Juntam-se a ela eventos, hotéis, lojas e outras tantas atividades que provam que o turismo gastronômico é uma potência financeira para toda uma região.
O Brasil e o turismo gastronômico
Moqueca é prato típico de certos estados do Nordeste e tem influências indígenas, portuguesas e africanas • Lipe Borges
Nosso país também entra na jogada. Na semana passada, o IBGE divulgou uma pesquisa que analisou dados de viagens relativos à pandemia de Covid-19, de 2020 e 2021, em comparação com 2023. Das 21,1 milhões de viagens nacionais e internacionais no ano passado, o estudo aponta que 21,5% dos viajantes brasileiros focou em cultura e gastronomia.
Apesar de sol e praia serem os motivos mais buscados para uma viagem, a pesquisa indica que esse tipo de viagem caiu, enquanto o interesse por gastronomia aumentou. “A participação desse tipo de lazer [sol e praia] caiu 9,4 pontos percentuais (p.p.) entre 2020 e 2023. Em contrapartida, houve um aumento de 6,0 p.p. nas viagens em busca de cultura e gastronomia”, disse William Kratochwill, analista da pesquisa.
O aumento também vai de encontro a uma maior atenção ao tema. Você sabia que a primeira política pública nacional voltada ao desenvolvimento do segmento foi lançada apenas em março de 2022? Falo do Programa Nacional de Turismo Gastronômico – Gosto Brasil, que promove ações visando o melhor posicionamento do país como destino gastronômico internacional. Formação profissional e realização de pesquisas estão entre as ações já realizadas pelo programa.
No começo do ano, a Embratur lançou uma competição de startups com o objetivo de encontrar soluções que promovam o turismo gastronômico nacional através de destinos, rotas e experiências. O mapeamento e a promoção de rotas e produtos brasileiros deve fortalecer comunidades e promover o desenvolvimento sociocultural e econômico nos municípios, ajudando a atrair mais turistas internacionais ao país.
São iniciativas que estão engatinhando, mas que mostram que o turismo gastronômico nunca esteve tão em alta por aqui.
Dicas práticas para fazer turismo gastronômico:
Escolha destinos que te apeteçam: faça uma pesquisa detalhada de onde ir com base na culinária local. Iguarias, especialidades, comidas fora do óbvio, receitas afetivas ou restaurantes que merecem uma viagem por si só são motivações para escolher um destino;
Explore os “mercadões”: em todas as minhas viagens, é obrigatória a visita a um mercado local. Esta é uma das melhores maneiras de conhecermos a cultura regional: pelos seus ingredientes, produtos e pelas pessoas por trás disso tudo;
Procure restaurantes que os moradores frequentam: as joias gastronômicas das cidades são geralmente as “escondidas” dos turistas. Claro que há ótimos restaurantes que ajudam na fama do destino, e eles devem estar no roteiro, mas equilibre com endereços fora da curva, como restaurantes tradicionais, familiares e recomendados por quem é da região;
Participe de festivais gastronômicos: cidades do mundo inteiro têm se movimentado para colocar em pé variados festivais gastronômicos. Seja em São Paulo, em Miami, no Caribe ou em Dubai, tais eventos são uma boa maneira de conhecer mais de uma cultura e de experimentar de tudo um pouco;
Vá de cabeça aberta: o mais importante – em qualquer viagem e não somente no turismo gastronômico – é se arriscar em novas descobertas, incluindo degustações de pratos e bebidas longe da nossa realidade.
Além disso, quando possível, participe de aulas de culinária – muitos hotéis e cruzeiros oferecem isso em um destino – e saia em direção a rotas gastronômicas. Não é preciso ir tão longe: o estado de São Paulo, por exemplo, tem criado algumas rotas no tema, como as recentes Rotas do Vinho de São Paulo e a Rota Turística do Queijo Artesanal Paulista.
Afinal, turismo é sim uma forma de gastronomia. E a gastronomia, por sua vez, é cultura.
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