BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quase sete meses após a promulgação da emenda constitucional da reforma tributária, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (10) o texto-base do projeto de lei que regulamenta o novo sistema tributário.
A iniciativa detalha as regras de funcionamento do novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, incluindo quais bens ou serviços terão carga reduzida. As definições são determinantes para calibrar as alíquotas finais da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) federal e do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de estados e municípios.
A Câmara decidiu incluir no texto uma trava para que a alíquota não ultrapasse os 26,5% estimados pelo Ministério da Fazenda no envio da proposta, em abril. Ainda assim, o IVA brasileiro deve ficar entre os maiores do mundo. Hoje, o maior do gênero é da Hungria, de 27%.
O texto foi aprovado por 336 votos a 142, uma ampla margem em relação aos 257 votos necessários para um projeto de lei complementar avançar. Houve ainda duas abstenções. O plenário agora vai analisar os destaques, que podem resultar em novas mudanças. Depois, o projeto ainda precisa passar pelo Senado, onde precisará do apoio de 41 parlamentares.
A votação se deu sob reclamações de congressistas pelo açodamento das discussões. O projeto, com mais de 500 artigos, foi aprovado 76 dias após ser protocolado pelo governo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), rebateu as críticas.
“Ninguém, num tema como esse, agrada a todo mundo. Mas a Câmara dos Deputados não pode, independentemente do resultado, sair arranhada com fala de parlamentares dizendo que não houve debates, discussão, tempo de amadurecimento e que não houve diálogo”, disse momentos antes da votação.
A regulamentação é o segundo passo de um longo percurso até a implementação efetiva do sistema tributário, que começará em 2026 e será concluída no início de 2033. A Câmara ainda precisa se debruçar sobre um segundo projeto, que trata das regras do Comitê Gestor do IBS.
Foco de um dos maiores impasses nas negociações durante os últimos dias, as carnes ficaram fora da cesta básica nacional, que terá alíquota zero. Designado relator do projeto, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) até incluiu outros três novos itens (óleo de milho, aveia e farinhas), mas não cedeu aos apelos para contemplar a proteína animal.
No entanto, há um pedido de destaque do PL, sigla de oposição, para incluí-las na isenção. Esse ponto ainda será votado pelo plenário.
A equipe econômica defendeu manter as carnes fora da cesta básica, embora o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha se posicionado a favor da isenção e propôs publicamente a desoneração do frango.
O argumento da equipe econômica é de que a isenção significaria um aumento de 0,53 ponto percentual na alíquota padrão. Além disso, o benefício alcançaria cortes mais nobres, como filé mignon, e todos os consumidores, inclusive os de maior renda.
Por outro lado, houve aumento no cashback, mecanismo de devolução de parte do tributo pago por famílias de baixa renda (até meio salário mínimo por pessoa).
O relator ampliou o percentual da restituição na conta de luz, água, esgoto e gás natural. O texto original previa um cashback de 50% na CBS e de 20% no IBS para esses serviços. O texto aprovado elevou a devolução da CBS a 100%, e o percentual do IBS poderá ser ajustado posteriormente pelos estados.
Na compra do botijão de gás de 13 quilos, o cashback já era de 100% da CBS e de 20% do IBS. Em outros itens, a devolução será de pelo menos 20% dos dois novos tributos.
No governo, há uma avaliação de que a ampliação do cashback garante um bônus político que pode ser atribuído a Lula por atender a população de baixa renda.
O próprio presidente da Câmara e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disseram que o ajuste poderia compensar a ausência de proteína animal na lista de produtos da cesta básica.
O texto aprovado também ampliou a lista de bens que terão redução de 60% na alíquota, que agora conta também com atum e salmão, sucos naturais, extrato de tomate e pão de forma.
A Câmara ainda manteve a cobrança do Imposto Seletivo sobre carros elétricos e incluiu o carvão mineral, mas livrou os caminhões e as armas de fogo. O “imposto do pecado” foi concebido para incidir sobre bens considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) e ao meio ambiente, à exceção daqueles produzidos na Zona Franca de Manaus.
A inclusão dos carros elétricos e a exclusão dos caminhões foram decididas ainda no relatório preliminar, elaborado pelo grupo de trabalho que analisou a regulamentação da reforma. O GT teve sete deputados, um de cada partido.
Representantes de montadoras que fabricam carros elétricos tentaram, sem sucesso, retirar o item da lista de bens alvos do imposto.
Fabricantes de bebidas açucaradas, como refrigerantes, e os setores de petróleo e mineração também fizeram pressão, mas não conseguiram reverter a cobrança sobre seus produtos. As mineradoras e as empresas de petróleo, porém, emplacaram um teto menor para sua alíquota, que será de até 0,25% –contra 1% autorizado pela emenda constitucional.
A inclusão das armas de fogo na lista do IS, por sua vez, era uma demanda de siglas da esquerda e de representantes de movimentos sociais. Na terça-feira (9), o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), defendeu que o Executivo não entrasse no debate de incluir as armas.
A reforma tributária unifica cinco tributos sobre consumo e coloca o Brasil no mapa dos países que adotam um sistema IVA, que substituirá PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA dual.
A implementação dos novos tributos começará em 2026, com uma alíquota teste de 0,9% para a CBS e de 0,1% para o IBS.
Em 2027, PIS e Cofins serão completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também serão zeradas para a entrada em vigor do Imposto Seletivo, com exceção dos bens produzidos na Zona Franca.
A migração dos impostos estaduais e municipais para o novo IBS será mais gradual, dada a necessidade de dar segurança jurídica a benefícios já concedidos sob o atual sistema. Por isso, ICMS e ISS serão totalmente extintos apenas em 2033.
A aprovação da primeira etapa da regulamentação da reforma ocorre 203 dias após a promulgação da emenda constitucional, em 20 de dezembro do ano passado. O governo tinha um prazo de até 180 dias para encaminhar os projetos, mas o envio foi antecipado para 25 de abril.
A aceleração da votação era uma prioridade de Lira, que almeja entregar a aprovação da tributária como um legado de sua gestão. Para garantir o quórum necessário, o presidente da Câmara atribuiu efeito administrativo a todas as votações desta quarta, inclusive aquelas sobre retirada de pauta ou adiamento de discussão. A decisão significa que o deputado sofre desconto no salário se não comparecer à votação.
Além disso, ele suspendeu as reuniões das comissões temáticas da Casa, numa força-tarefa para analisar o texto da regulamentação.
Parlamentares da oposição criticaram a forma de tributação conduzida pelo presidente da Câmara. “Aqui é tudo a jato. Não é regimental”, reclamou a deputada Adriana Ventura (SP), uma das representantes do Novo. Segundo ela, o projeto teria que ter passado por oito comissões antes de ser votado no plenário.
O deputado Pauderney Avelino (União Brasil-AM) foi outro parlamentar que subiu à tribuna para criticar a tramitação do projeto. O deputado Domingos Sávio (PL-MG) pediu que a votação fosse adiada para agosto, na volta do recesso parlamentar, para que houvesse mais tempo de debate.
Vários deputados cobraram também informações sobre o impacto do projeto na alíquota média do CBS e IBS, estimada inicialmente pelo Ministério da Fazenda em 26,5%.
Bolsonaristas aproveitaram a exposição na TV da sessão de votação para atacar o presidente Lula. “Nós queremos salvar a picanha dos pobres”, disse Bia Kicis (PL-DF).