MANAUS – Em uma capital, equipes de abordagem serão ampliadas para atender a população de rua, inclusive estrangeiros, enquanto em outra essas pessoas em situação de vulnerabilidade são estimuladas a procurarem serviços públicos. Há, ainda, parceria com pousadas para abrigar pessoas que vivem nas ruas.
Em comum, prefeituras de grandes cidades brasileiras, como Belo Horizonte, Salvador e Recife, fizeram ou estão fazendo levantamentos para saber a dimensão do problema em suas ruas e definir políticas para essa população, hoje invisível, que aumentou desde o início da pandemia de Covid-19.
As ações ganham força num momento em que moradores de rua foram lembrados na posse do ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania). “Pessoas em situação de rua, vocês existem e são valiosos para nós”, disse em seu discurso.
A população em situação de rua no país cresceu 38% desde 2019, segundo levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que apontou que existem 281,4 mil pessoas nesta condição.
Em Manaus, a prefeitura tem uma ideia da invisibilidade dessas pessoas que vivem nas ruas: apenas 31% estão inseridos num cadastro único de benefícios sociais. O desafio, assim, é alcançar todo esse grupo.
Uma tentativa prevista é a ampliação das equipes de abordagem. A subsecretária de Direitos Humanos na cidade, Maria das Graças Prola, estima em 2.000 pessoas a população de rua na capital do Amazonas.
Em 2022, porém, o município conseguiu identificar apenas 466 pessoas. No ano anterior, 151. E, em 2020, primeiro ano da pandemia, foram 532 pessoas atendidas pela prefeitura.
As ruas de Manaus abrigam uma parcela expressiva de venezuelanos, que figiram da crise em seu país de origem.
Prola nota uma mudança nas características da presença dos venezuelanos. Antes, a predominância era de indígenas warao, com famílias inteiras praticando mendicância em semáforos. Agora, são não indígenas que estão nos sinais.
“Essas pessoas ainda são muito invisíveis aos olhos das políticas públicas”, disse a subsecretária. “E hoje existe um aspecto que é o legado dessa crise social recente: a fome. Famílias estão com cartazes nos sinaleiros pedindo auxílio para alimentação”.
A prefeitura tem espaços para acolhimento de pessoas que vivem nas ruas e cozinhas comunitárias. Em um desses espaços, a maioria dos acolhidos são homens com idade de 21 a 35 anos e oriundos do Nordeste e do Norte, especialmente de cidades do interior do estado.
Em Belo Horizonte, o cenário é semelhante. Casa é como Marcos Pires da Fonseca, 44, chama um pedaço de lona preta sustentada por caixas de papelão sob a marquise de uma loja desativada no centro da capital mineira.
Ali passa as noites. Os dias são nas portas de agências bancárias na região pedindo “um trocado”, como diz, para comprar comida.
Nem sempre foi assim. Marcos vive nas ruas da capital mineira há oito anos. Antes trabalhava como técnico em eletricidade em Itabirito, a 80 quilômetros de Belo Horizonte. “Tive problemas. Larguei a mulher, os filhos e vim para cá”, disse ele.
Segundo dados da prefeitura, um contingente de 5.400 pessoas vive atualmente nas ruas de Belo Horizonte.
Um censo específico para levantamento da população nesta situação foi feito no ano passado e tem resultado previsto para ser divulgado neste ano.
O diretor de proteção social especial da prefeitura, Régis Spíndola, disse que a gestão atua em duas frentes de intervenção. Uma envolve equipes de assistentes sociais e psicólogos para atendimento direto e encaminhamento a locais como restaurante popular e regularização de documentos, enquanto a outra, que precisa partir de decisão do próprio morador de rua, é o acolhimento em albergues.
São três na capital, com capacidade para 600 pessoas por dia e que tem ocupação média de 90%.
Concentração Já no Recife, a estimativa era de 1.600 pessoas em situação de rua antes da pandemia. Com a crise sanitária, a prefeitura fez nova contagem e deverá fazer a divulgação nos próximos meses.
Uma parte desse contingente se concentra principalmente na área central, onde é comum circular em meio a pedidos de ajuda financeira e de alimentação feitos pelos moradores de rua. Com a pandemia, a situação foi agravada.
Na avaliação da ONG Samaritanos, um dos pontos que contribui para o aparente avanço do número de pessoas em situação de rua na capital pernambucana são as falhas na política habitacional.
“A habitação segue sem um plano para a população em situação de rua e hoje essa é a maior pauta dessas pessoas, do ponto de vista nacional. Existem projetos e pesquisas, mas nada concreto e efetivo na mesa para que aconteça [a execução]”, disse Rafael Araújo, voluntário da organização.
Para ele, há grupos específicos dentro do público em situação de rua que sofrem mais vulnerabilidade, como crianças e adolescentes e pessoas LGBTQIA+.
Em nota, a prefeitura diz que ofereceu cerca de 570 mil refeições a pessoas em vulnerabilidade que frequentam os dois restaurantes populares em 2022 e informou dispor do Serviço Especializado de Abordagem Social para “fazer busca ativa, identificar a incidência de situação de rua, trabalho infantil e exploração sexual de crianças e adolescentes”.
Um programa municipal também faz parceria com duas pousadas atualmente para abrigar as pessoas que estavam nas ruas e a prefeitura oferece um aluguel social pago pelo município no valor de R$ 300.
Em Salvador, a prefeitura também iniciou, em agosto do ano passado, a realização da Pesquisa de Mapeamento, Contagem e Caracterização da População em situação de rua, em parceria com a ONG Projeto Axé. Serão realizadas 1400 entrevistas e o prazo de conclusão é julho de 2023.
O último censo municipal sobre população de rua foi realizado em 2009 e apontou que a capital baiana tinha cerca de 2.000 pessoas vivendo nas ruas.
Um estudo feito em 2017 pelo Projeto Axé em parceria com a UFBA (Universidade Federal da Bahia) apontou uma população bem maior: entre 14 mil a 17 mil pessoas nas ruas da capital baiana.
Durante a pandemia, a Defensoria Pública do Estado da Bahia identificou um novo perfil de pessoa em situação de rua: são pessoas que têm moradia própria na periferia da cidade, mas se deslocam para a região central como estratégia de sobrevivência, muitas vezes dormindo nas ruas.
(Reportagem: José Matheus Santos, Vinicius Sassine, João Pedro Pitombo e Leonardo Augusto)
Com informações do Amazonas Atual*