O Brasil tem na transição para a economia de baixo carbono uma seara de grandes oportunidades de aumento de produtividade, geração de empregos e renda. Um dos mecanismos mais eficientes para alavancar as nossas vantagens competitivas é a criação de um mercado regulado de carbono nacional.
Essa tem sido uma bandeira do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) desde 2016, constando inclusive da agenda desenvolvida pelas empresas para os candidatos à Presidência nas eleições de 2018 e de 2022. Por isso, o setor empresarial saúda o avanço desse tema nos últimos meses, com a participação dos Poderes Legislativo e Executivo.
Desde o ano passado, a Câmara dos Deputados vem discutindo de forma mais robusta o tema ao analisar, via projeto de lei, as condições para a construção desse mercado regulado. Esse processo teve a participação de vários segmentos do setor produtivo, do governo e de especialistas, produzindo consensos sobre pontos muito relevantes, com ampla participação da sociedade.
No dia 18 de maio, o governo federal anunciou a publicação de um decreto para regulamentar o mercado de carbono no Brasil, ancorado na Política Nacional sobre Mudança do Clima (a PNMC, lei 12.187/2009). O texto pode ser um ponto de partida para a precificação dos gases do efeito estufa no Brasil, mas precisa ser aperfeiçoado tanto nas propostas como para um direcionamento de um projeto de lei do Executivo federal.
O texto contempla questões relevantes para os projetos de lei de mercado de carbono que tramitam no Congresso, como a definição de metas setoriais e a criação do Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare) como um registro centralizado de projetos de mitigação de emissões, créditos de carbono e das transações resultantes.
O Sinare também aceitará, sem a necessidade de certificação dos créditos, o registro de pegadas de carbono, de carbono de vegetação nativa, de carbono no solo, do carbono azul e de unidade de estoque de carbono. Esses registros contemplam atividades que são também objetos dos créditos de carbono, mas o decreto não especifica como tais registros participariam do sistema de comércio de emissões.
O Sinare também aceitará, sem necessidade de certificação dos créditos, o registro de pegadas de carbono de produtos, processos e atividades nacionais; carbono de vegetação nativa; carbono no solo; carbono azul; e unidade de estoque de carbono. No entanto, ele não especifica como tais processos e atividades participariam do sistema de mercado, possibilitando o registro dos mesmos sem a necessidade de geração de créditos de carbono certificado.
O decreto institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), já previsto na PNMC de 2009, como instrumento de cumprimento dos planos setoriais de mitigação por meio do comércio de créditos de carbono. No entanto, o decreto não estabelece um sistema “cap & trade”, utilizado pelos países onde o mercado de carbono está mais consolidado, onde as metas definidas pelo regulador são cumpridas com licenças de emissão e não somente com créditos de carbono.
Ademais, o decreto tem muitas questões em aberto, inclusive prazos, e não deixa clara a participação mandatória dos setores econômicos que serão regulados pelo mercado ou se haverá consequências para o descumprimento das metas. São lacunas que implicam desafios e incertezas para a execução efetiva de um mercado regulado.
Além disso, a criação de um mercado de carbono regulado via decreto pode implicar insegurança jurídica, já que pode ser facilmente alterado por vontade unilateral do Executivo federal, sem a necessidade de debate parlamentar e de consulta pública à sociedade. Um marco regulatório por decreto não possui a previsibilidade e estabilidade necessárias para incentivar os investimentos de longo prazo necessários ao processo de descarbonização e pode, inclusive, inibir as ações que já estão sendo feitas pelo setor produtivo.
Já uma lei específica garante que o mercado regulado de carbono seja uma política de Estado e não de governo, com maior resiliência e a legitimidade do processo democrático de aprovação no Legislativo.
Em resumo, o decreto coloca o Brasil numa estratégia de precificação singular, com questões técnicas complexas e lacunas a serem mais bem esclarecidas. Em compensação, indica claramente que o governo federal entende a importância da precificação de carbono com sistemas de mercado para que o país possa cumprir sua meta de redução de emissões de gases do efeito estufa, a NDC, e para que o país exerça seu papel de liderança na nova economia global, baseada na descarbonização.
Dada a densidade e complexidade do assunto, o CEBDS segue debatendo as condições regulatórias para um mercado de carbono. Estamos realizando uma série de workshops sobre os mercados regulado e voluntário, reunindo os maiores especialistas e nossas empresas para debater e preparar o setor produtivo para essa importante ferramenta. Continuamos também dialogando com os Poderes Executivo e Legislativo, com o conhecimento adquirido desde 2016.
Entendemos que há um consenso entre todos os atores envolvidos nessa discussão: independentemente de qualquer viés ideológico e político, o mercado regulado de carbono é uma pauta atraente e estratégica para o Brasil. Somos um dos países com maior potencial de venda de créditos de carbono, que podem gerar receitas líquidas de até US$ 72 bilhões até 2030, de acordo com estimativa do Environmental Defense Fund – dinheiro que poderá estimular a inovação no setor produtivo e financiar a transição para uma economia verde competitiva e inclusiva.
Mas, para isso, é fundamental para o CEBDS que a proposta de regulação incorpore as contribuições dos setores regulados, de especialistas e da sociedade civil: um ecossistema de mercados, incluindo um sistema de registro para o mercado voluntário e um “cap & trade” para o mercado regulado; implementação gradual; proteção à competitividade empresarial e à soberania nacional; previsibilidade e segurança jurídica; e boa governança, com eficácia no sistema de precificação de carbono e regras e procedimentos transparentes.
Não podemos perder o timing: é importante que o Brasil aprove e regulamente com urgência um mercado regulado nacional, a exemplo do que foi feito com modelos mais avançados e maduros de nossos parceiros comerciais – como a Comunidade Europeia, México, Coreia do Sul, Reino Unido, China e de vários Estados dos EUA e do Canadá. Ao instituir um sistema robusto de mercado regulado, estaremos alinhados a uma política governamental de enfrentamento às mudanças climáticas com grandes oportunidades de cooperação internacional, atração de investimentos, criação de empregos e justiça climática. O setor empresarial brasileiro está dando sua contribuição e quer fazer parte da solução.