O relacionamento entre um casal encerrado de forma conturbada e não saudável pode trazer graves consequências para os filhos. Em casos de divórcios não consensuais, as tentativas de um dos genitores (ou avós) de induzir a criança ou adolescente a “tomar um partido” e destruir seus vínculos com um dos pais durante a disputa pela guarda ou convivência dos filhos são mais comuns do que se imagina. Por mais comuns que sejam, esse comportamento tem nome e se tornou crime do Brasil: a alienação parental.
Conforme a lei nº 12.318 de 2010, “considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Após um relacionamento de nove anos que teve como fruto um menino e uma menina, Joana* se vê hoje vivendo um pesadelo como vítima de alienação parental por parte do seu ex-marido. Em entrevista ao portal Amazônia Press, Joana* destaca que quando conseguiu a medida protetiva tudo piorou, pois ele sempre tentava colocar a sua conduta de mãe em prova. Além disso, disse que o ex-marido só usa o filho de cinco anos contra ela, na tentativa de mantê-la por perto.
“Ele me deixou quando eu estava grávida da menina. Depois pediu para voltar para casa para que conseguisse se estabilizar financeiramente por lá ele não tinha responsabilidade de pagar contar e nem ajudar com nada. Em julho ele teve crises convulsivas, dei força e apoio, mas não voltei. Daí começou o meu tormento. Ele sempre queria ver somente o filho, depois de um tempo viu que eu não voltaria e começaram os ataques ameaçando pegar o menino. Eu tive que entrar com medida protetiva. Consegui a medida e tudo piorou. Ele sempre querendo armar cilada pra pôr à prova minha conduta de mãe. Daí sempre ameaçava tomar o garoto e nem falava na garota. Me chama de palavras de baixo calão para a criança. Tentei um acordo de paz, mas ele quer usar a criança para me manter por perto. Ficou claro. Temos uma audiência marcada para julho”, pontuou.
Complementou ainda: “Início de abril, ele ficou no fim de semana como sempre deixei, mas como nosso filho só ia ter aula na quarta feira eu deixei dormir com ele pois nunca imaginei que ele teria atitude tão baixa. Na terça-feira levou o nosso filho na delegacia alegando que ele sofria maus tratos. Desde então coagia e a criança para não voltar pra casa comigo se eu pedisse. Primeiro que meu filho tem 5 anos, não decide nada. Mas ele ficou persuadindo meu filho. Usando de bens materiais, que se o garoto viesse comigo ia apanhar de mim e ele não compraria brinquedos”.
A vítima destacou ainda que o sentimento de impotência tem prevalecido e tem vivido nervosa. Joana* ressalta ainda que, por ele só usar o menino, a filha de ambos vive chorando com saudades do irmão e quase todos os dias adoece por serem muito próximos.
“Estou há tempos sem comer bem, dormir, vivo nervosa… é doloroso ouvir o meu filho dizer que não era pra eu abraçá-lo, se não ia levá-lo embora e ele não poderia mais sair com o pai pra passear. Chorei tanto. Faço o acompanhamento psicológico pelo Cream e brevemente, quando eu retomar meu filho, vou levá-lo também. Tá tão claro que ele só usa o filho. É doloroso demais ver a minha filha chorando de saudades do irmão, ela já acorda perguntando pelo irmão. Ela tem febre dia sim e outro não, brinca só e fala como se o irmão estivesse com ela. Eles dormiam juntos. Tentei a proposta de 15 dias para cada sem separar as crianças, mas ele não quis. É um sentimento de impotência, pois ele só quer ficar numa boa se eu voltar com ele. Não tenho como fazer denúncia, pois alienação parental não é crime, assim dizem uns e ele sendo pai a justiça entende que ele pode ficar com a criança até a audiência marcada”.
De acordo com o advogado trabalhista e de direitos da família Thiago Simões, a alienação parental pode ser identificada a partir o momento em que o pai ou a mãe desqualifica o outro genitor, tanto no âmbito da sua autoridade, no contato com a criança ou em dificultar o exercício da convivência familiar, que é um direito da criança ou do adolescente.
“A alienação parental pode ser praticada por qualquer pessoa que detém a guarda do menor: avós, tios, irmãos, bisavós, entre outros. Caso esses fatos sejam comprovados, se configura a alienação parental. Existe lei própria que Versa sobre alienação parental de 2017, e a pena prevista para esse tipo de crime é de até dois anos de detenção. Como a pena para esse crime é inferior a 4 anos, pode o Ministério Público, em audiência própria, realizar a transação penal caso o transgressor preencha os requisitos para isso. Pode ser por meio de pagamento de cestas básicas, serviços comunitários e entre outras restrições. Existe o art. 10 da lei, porém está vedado para não pode considerar crime a alienação parental e evitar o sentimento de culpa da criança ou do adolescente. Ou seja, as delegacias não fazem a ocorrência”.
Joana* expressou que sente seus direitos como mãe feridos e alega que a justiça é falha nesse quesito. “Como é que um pai pode, do nada, fazer isso? Só porque registrou, mas nunca deu assistência em nada. Acho que a justiça não deveria levar em conta essa parte de que só porque ele é pai. Não consegui nem sequer fazer a denúncia de que ele tirou o meu filho de casa. Pois simplesmente ele é o pai e ele não é considerado um sequestrador. Mas ele abusou dessa minha boa vontade de ter a visita e não devolveu o meu filho pelo simples fato de ainda estar rolando um processo na justiça. E os meus direitos como mãe? Acho que tem uma falha muito grande na justiça com relação a isso. Não sou a favor de separar os irmãos também. Isso é uma violência psicológica e isso é crime”, declarou.
No último dia 12 de abril, o Senado aprovou um projeto que altera a lei de alienação parental. O texto, que agora segue para sanção presidencial, permite ao juiz solicitar perícia psicológica ou biopsicossocial quando houver indício de alienação parental, além de estabelecer prazo máximo de três meses, a contar da publicação da lei, para que se realize perícias psicológicas nos casos de processos que estejam há mais de seis meses aguardando a avaliação da criança ou adolescente.
*nome fictício