Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o “Mal do Século”, a depressão é uma doença psiquiátrica recorrente que causa a alteração do humor e se caracteriza pela tristeza profunda, sentimentos de dor, angústia e desesperança. Além desses sintomas, uma das coisas mais difíceis de escutar para quem sofre com a depressão é que a doença é uma frescura. A frase dita com frequência pelo senso comum é uma visão equivocada e restrita de uma doença muito séria que vem acometendo cada vez mais pessoas com o passar dos anos.
A policial militar, veterinária e acadêmica de direito, Edilcilene “Dilcy” Lima da Silva, de 33 anos, desenvolveu depressão após passar sete anos casada sofrendo abuso físico e psicológico. De acordo com o seu relato, as agressões iniciaram com o agressor quebrando coisas, depois partiu para a agressão psicológica e em seguida para a violência física.
“Sofri diversas agressões, tive o dedo quebrado, nariz quebrado, fui jogada do carro em movimento, espancamento, ameaça de morte, ele colocava a arma na minha cabeça. Só que eu nunca denunciei porque ele sempre pedia perdão, dizia que nunca mais iria acontecer e dizia que se eu fosse denunciar, ele iria me matar e simular su1c1d10. Após o término, eu não aceitei, tentei reatar e ele não quis retornar. Foi quanto ele começou a agir na minha mente, me falar coisas pesadas, que eu iria ficar só, na lama, ia me afundar, nunca mais ia ter ninguém. Tudo isso foi me deixando abalada e quando percebi já estava há um mês dentro de uma rede, sem comer, sem banho, sem limpar a casa…”
O que Dilcy viveu é algo que acontece com frequência com muitas outras mulheres e de forma bem parecida, independente da classe social, raça, cidade ou país: ficar por anos presa no ciclo do relacionamento abusivo. A policial militar ressaltou ainda que, inicialmente, o agressor não mostrava ter esse perfil agressivo e aparentava ser uma ‘pessoa normal’.
“Ele apresentou alguns sinais de agressividade após termos casado. Ele era um amor, muito atencioso, carinhoso, muito prestativo comigo e com meus amigos. No primeiro surto dele, ele quebrou o próprio notebook, jogou no chão. Fiquei assustada com aquilo, mas estava apaixonadérrima, gostava muito dele e perdoei. No segundo surto, foi o celular dele que ele jogou na parede. Até uns quatro anos, as agressões eram mais psicológicas, de xingar, me chamar por palavras de baixo calão. Ele jogava muito na minha cara que eu ia ‘morrer sozinha’, porque a minha mãe é só. Ele jogava toda a culpa das coisas que ele fazia em cima de mim. Ele começou a se tornar muito estressado, muito intolerante comigo. Se eu dormisse com raiva dele, no outro dia era café da manhã, beijinho, presente, declaração de amor no Facebook… totalmente outra pessoa”, declarou.
“Ele foi um grande causador da minha depressão. Quando comecei a me afundar, pedia a ajuda dele pelo menos para eu conseguir comer.Mas ele se recusava, dizia que eu não era mais responsabilidade dele e depois mandava mensagem perguntando se eu já tinha morrido, se eu tomei veneno, incitando o meu su1c1d10. Depois ele saiu de casa e descobri que ele tinha saído por motivos de traição. A minha mãe acompanhou todo o meu sofrimento”, complementou ainda.
Mesmo após ter sobrevivido ao relacionamento abusivo, a policial militar agora se vê presa dentro de seus próprios pensamentos. A recuperação de um relacionamento abusivo e violenta traz consequências e impactos para a vida da vítima. Do ponto de vista emocional, há uma série de impactos de saúde mental pra vida dessas mulheres.
“Em compensação a tudo isso que eu passei, consegui me restabelecer no meu trabalho. Mas, às vezes, tenho algumas crises e não conseguir dirigir. No dia 31 de janeiro de 2021, meu carro já capotou cinco vezes por conta de crise de pânico. Muitos pensamentos suicidas, muito descontrole… é uma doença que você fica fora da casinha, é inexplicável. Você tá ali fazendo algo que gosta e do nada você começa a sentir nervoso, taquicardia, sensação de perseguição, abalo emocional mesmo. Mas consegui concluir a minha faculdade de veterinária e foi um ano muito sofrido para conseguir terminar, foi uma vitória mesmo. Não imaginava que ia conseguir, porque eu não conseguia mais estudar, a minha casa ficou um lixo, eu abandonei tudo e só vivia para dormir”
“Hoje em dia eu consigo ir na academia, estou cursando outra faculdade para ocupar a minha mente, estou montando o meu escritório de veterinária. Hoje em dia tenho consulta psiquiátrica particular, mas tive todo suporte no Hospital da Polícia Militar em atendimento psiquiátrico e com psicólogos. Uma vez tive uma crise muito grave e no dia não havia vaga. Fui para o Eduardo Ribeiro onde conheci a minha médica Dra. Maria das Graças, que tive um excelente atendimento também e me senti mais a vontade. Hoje ela me acompanha”.
De acordo com a psicóloga e especialista em neuropsicologia, Nazaré Mussa, a depressão é como ter uma nuvem negra pairando sobre a sua cabeça ou é como ter a sensação de estar entre um leão e do outro um abismo. Mussa ressaltou ainda que tristeza geralmente acontece quando algo desagradável surge na sua vida. Em um artigo sobre relacionamentos abusivos, Nazaré destaca que a violência contra a mulher gera medo, dependência e anulação de si mesma.
“O problema é que o abusador começa a minar as emoções de sua vítima e com isso ele vai fazendo a outra pessoa acreditar que é o único tipo de relação que a pessoa conseguirá ter. No começo esses sintomas podem passar despercebidos, mas, com o tempo e o agravamento dos mesmos, tudo se torna mais claro. Por exemplo, no começo você pode dizer que não está com vontade de sair, prefere ficar em casa, depois, você percebe que não está mais saindo, tem dificuldade de levantar da cama, não sente vontade de se arrumar, perde o apetite ou exagera no comer, o choro vem mais fácil e muitas vezes até a agressividade parece tomar conta de você, além é claro, do mal estar psíquico. Esses são apenas alguns sintomas”, pontuou.
Por fim, Dilcy deixou uma palavra de incentivo para aquela mulher que hoje se encontra em um relacionamento abusivo e não consegue sair dele, se autodestruindo. “No primeiro abuso, denuncie. Eles não mudam. Só aumentam a dose aos poucos”