Integrantes de movimentos sociais ligados aos atingidos por barragens e representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública pediram que os impactos das enchentes deste ano sejam incluídos na repactuação do acordo de reparação de danos de Mariana (MG) e Brumadinho (MG). O tema foi discutido nesta quinta-feira (3), em audiência na Câmara dos Deputados.
As enchentes de janeiro deste ano deixaram quase 40 mortos em todo o estado de Minas Gerais e também castigaram as bacias dos rios Doce e Paraopeba, ainda impactadas pelos crimes socioambientais relacionados ao rompimento de barragens de rejeitos de minério em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, em 2019.
Pedro Aguiar, assessor do Instituto Guaicuy, que tem atuação socioambiental na região, chegou a classificar a situação atual de “crime continuado”.
“Quando há uma situação dessa de rompimento, ela fica ainda mais complexa em situações como essas de grandes volumes de chuva. O rompimento é um crime continuado. O alagamento ao longo do rio danificou estruturas, poços artesianos, cisternas, currais. Então, o medo que as pessoas tinham agora está ainda maior”, afirmou.
Aguiar foi um dos cerca de 30 convidados da primeira audiência pública da Comissão Externa sobre Rompimento da Barragem do Fundão. O colegiado foi criado em dezembro para acompanhar e fiscalizar a repactuação do acordo de reparação dos vários danos causados pela tragédia de Mariana, que deixou 19 mortos e sérios impactos ao longo do rio Doce entre Minas Gerais e Espírito Santo.
A experiência também poderá servir em eventual repactuação em acordos relativos à tragédia de Brumadinho, que registrou 272 mortos e devastação na bacia do rio Paraopeba.
A presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão (Avabrum), Alexandra Costa, contou o agravamento da situação de Brumadinho após as enchentes de janeiro.
“Nós vimos agora, nessa última enchente, que a lama que ficou no fundo do rio e não havia chegado a Brumadinho no dia 25 janeiro [de 2019] chegou agora à sede e a outras localidades. Junto com a lama normal do rio, havia muito rejeito. A população enfrentou muita dificuldade para limpar essa lama. E, para a gente da Avabrum, são três anos de muita dor e impunidade”, declarou.
Impacto ambiental
De forma geral, os atingidos pelas tragédias de Brumadinho e Mariana contaram que os rejeitos de minério de ferro deixaram os rios Doce, Paraopeba e alguns afluentes com leitos mais estreitos e menos profundos. O grave assoreamento permite a rápida disseminação de lama tóxica durante as enchentes, trazendo riscos de contaminação e de insegurança hídrica em áreas rurais e urbanas.
O Ministério Público Federal ajuizou a mineradora Vale a providenciar a realocação e o pagamento de auxílio emergencial para índios Pataxó inteiramente desalojados de suas aldeias pelos alagamentos no município mineiro de São Joaquim de Bicas.
Há várias ações pontuais em curso em outros municípios, ainda decorrentes da falta de decisões finais da Justiça, como destacou o procurador da República em Minas Gerais, Carlos Bruno da Silva, integrante da força-tarefa ambiental do Ministério Público para a bacia do Rio Doce.
“O ideal seria que a Justiça desse todos os direitos que a população merece, tanto na tragédia de Brumadinho quanto na tragédia de Mariana. Mas o fato é que, depois de seis anos e com enorme resistência das empresas, não conseguimos essa decisão judicial e fomos obrigados a buscar um meio termo que finalmente resolva a questão dessas populações”, explicou.
Repactuação
Esse “meio termo” é justamente a repactuação do acordo de Mariana, que envolve as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billington. O processo é intermediado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde meados do ano passado, diante do fracasso das ações da Fundação Renova, criada pelas três mineradoras para conduzir as reparações sociais, econômicas e ambientais.
Representante do CNJ na repactuação, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello citou algumas premissas básicas. “No contexto da repactuação, seja qual for o valor que ao final se chegue, deverá ter uma parcela desse valor dirigida para a reinserção socioeconômica das pessoas, sob pena de se ter um acordo ilegítimo. Outro pressuposto dessa repactuação é que a [Fundação] Renova não receba novas atribuições.”
Segundo Bandeira de Mello, a tendência é que algumas das ações pendentes da Fundação Renova sejam transformadas em obrigações de pagamento das mineradoras Vale, Samarco e BHP Billington para que o poder público as conclua.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) exige que a repactuação inclua parte do “Programa Rio Doce sem Fome”, elaborado pela sociedade civil e com ações de retomada produtiva das comunidades, transferência de renda e gestão transparente e compartilhada das reparações.
Relator da comissão externa da Câmara, o deputado Helder Salomão (PT-ES) disse que o colegiado vai contribuir para que a repactuação dos acordos seja efetiva na correta indenização dos atingidos diante de tamanho atraso.
Próximos passos
O coordenador da comissão, deputado Rogério Correia (PT-MG), pretende fazer diligências em Minas Gerais e no Espírito Santo e agendar reuniões dos parlamentares com o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux.
Também está previsto encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para pedir a rápida votação do projeto de lei (PL 2788/19) que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). O texto foi aprovado pela Câmara em 2019.
“O projeto também é um exemplo de que as empresas terão que seguir determinadas leis rigorosas e atender aqueles que são atingidos”, disse o deputado.
Segundo Correia, a efetiva punição dos culpados pelos crimes socioambientais de Brumadinho e Mariana e a criação de um observatório para prevenir novas tragédias também fazem parte dos objetivos da comissão externa.
Reportagem – José Carlos Oliveira
Edição – Pierre Triboli